Aquele senhor no ponto de ônibus me parecia simpático, tinha um semblante tranquilo, uma cara de felicidade. Era um daqueles senhores que usa uma boina de abotoar a aba, pulôver, cachecol, calça social e sapatos sempre muito bem engraxados. Levava um guarda-chuva, que também usava como bengala e dois óculos, um no rosto e o outro pendurado no pescoço, os dois tinham aquelas cordinhas para que ele pudesse ir trocando entre um e outro conforme precisasse enxergar de perto ou de longe. Perguntei se meu ônibus parava naquele ponto, me respondeu que sim, era o mesmo que ele iria pegar. Ficamos esperando, mas não nos falamos mais.
Quando o ônibus chegou, só estavam lá dentro o motorista e o cobrador. Entrei e me sentei. Logo em seguida, o senhor entrou e me perguntou, já se sentando, se poderia se sentar do meu lado. Sem ter escolha, eu disse que sim. Ele tirou do bolso da camisa que usava por baixo do pulôver um maço de dinheiro, lambeu o dedo e passou uma nota, lambeu novamente e passou outra e mais uma. Terminado este ritual nojento, ele esticou o braço, esbarrando na minha cara, e entregou o dinheiro ao cobrador. Seu perfume era o Lancaster e ele havia usado uma quantidade exagerada, quase sufocante. Infelizmente, mal sabia eu que o pior ainda estava por vir.
De todos os tipos de chato, acho que o pior é o que fica cutucando enquanto conversa com a gente, como se tivesse que chamar a nossa atenção o tempo inteiro por estarmos ignorando o que ele fala. Alguns cutucam no ombro com um ou dois dedos, outros com o cotovelo no braço e os campeões da chatice, os que ficam dando tapinhas no antebraço. Se existe alguma coisa mais irritante do que isso, ainda não me foi apresentada, e torço para que nunca seja.
As histórias da infância e adolescência dele numa cidadezinha do interior, onde todos se conheciam e as casas não precisavam de muros, as portas podiam ficar destrancadas, as bicicletas no passeio, porque não tinha tantos bandidos como hoje e mais alguns causos até que eram interessantes, mas se tornavam infinitos, assim como a viagem de ônibus que estávamos fazendo, por causa dos tapinhas no meu antebraço seguidos de um “vai escutando”. Aquilo chegava a gelar a espinha e arrepiar os pelos do corpo inteiro. Meu braço estava apoiado na minha coxa, tentei escapar segurando no encosto do banco da frente, mas os tapinhas foram junto, como se fossem um inseto que pousa no braço da gente e não quer sair, só sai quando batemos a mão para espantar, mas com aquela mão não dava para fazer isto.
O ônibus leva meia hora para ir do centro até o ponto final, que fica em frente à minha casa, mas neste dia havia acontecido um acidente que deixou o trânsito tão lento que o trajeto levou uma hora e meia. Eu já não conseguia mais prestar atenção no que aquele senhor falava, nem pensar em mais nada. Minha mente agora só conseguia ficar contando os tapinhas. Ao todo foram 365, um para cada dia do ano, até finalmente chegarmos ao nosso destino. Sim, ele foi sentado do meu lado até o meu ponto.
Descemos do ônibus e, antes que eu conseguisse atravessar a rua, ouvi um “até amanhã” e ganhei mais um tapinha no antebraço. O ano era bissexto.
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