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sábado, 23 de novembro de 2024

Direito à desconexão no universo trabalhista

Empresas devem se atentar ao direito à desconexão, sobretudo diante das mudanças impulsionadas com o avanço do teletrabalho

Diante da necessidade do distanciamento social como decorrência da pandemia da Covid-19 –, pôde se observar, sobretudo a partir de 2020, uma adoção mais volumosa e intensa do teletrabalho, que atingiu os mais diversos segmentos e organizações.

Mesmo após o gradativo processo de retomada econômica e fim do período de isolamento, muitos negócios optaram por manter os formatos remoto e híbrido de trabalho, fato que, naturalmente, alterou a relação entre empregados e empregadores, demandando maior atenção das empresas acerca das dinâmicas de trabalho em um mercado em plena transformação.

Com uma distinção mais tênue entre vida pessoal e profissional – visto que o lar passou a representar também um ambiente de trabalho –, um dos alertas ligados com todas essas mudanças diz respeito ao direito à desconexão.

Este conceito trata da prerrogativa que o trabalhador possui para que ele não seja sobrecarregado de trabalho e possa, assim, aproveitar o tempo conforme lhe for conveniente, como para atividades de lazer, familiares e outras.

Para se ter uma ideia da importância dessa questão, uma pesquisa realizada pela Universidade de Chicago apontou que, durante a pandemia, o total de horas trabalhadas em uma empresa de tecnologia da informação aumentou 30% em comparação ao período pré-pandêmico, na qual também foi registrado um aumento de 18% nas horas extras trabalhadas.

Naturalmente, um cenário como esse não se apresenta, necessariamente, em todas as organizações, mas demonstra a importância de que as empresas se atentem a esse problema e pensem em soluções para atenuá-lo e evitá-lo.

A desconexão sob a ótica trabalhista

De acordo com um levantamento realizado pela empresa de jurimetria DataLawyer, o número de pedidos pelo direito de se desconectar do trabalho após o fim da jornada aumentou no último ano. Em 2022, foram registradas 2.666 novas ações no Judiciário brasileiro, mais do que o dobro do registrado em 2018 (1.329).

Apesar do crescimento no número de ações, não existe, na legislação trabalhista brasileira, uma previsão específica expressa acerca do direito à desconexão. Contudo, o entendimento é o de que este já representa um direito social e fundamental de qualquer trabalhador, principalmente em um contexto em que maiores fiscalização e monitoramento passaram a ser exigidos – justamente por causa da adoção massiva do teletrabalho.

Existe, também, a interpretação de se tratar de um direito “inespecífico”, inclusa no escopo do que se entende sobre a limitação de jornada diária e semanal e do direito ao descanso e ao lazer, presentes na Constituição.

Vale ressaltar ainda que, para o trabalhador, privar-se dessa “desconexão” pode acarretar problemas de saúde física e mental, o que, por sua vez, pode decorrer em outros prejuízos de ordem familiar e social. Para as empresas, representa o risco de sofrer com ações trabalhistas e o pagamento de indenizações por dano moral – além dos custos relacionados com afastamentos.

Não por acaso, uma pesquisa recente da empresa CloseCare apontou um aumento de 30% entre 2020 e 2022 nos afastamentos relacionados com a saúde mental de funcionários.

Os limites do sobreaviso

Diferentemente de jornadas mais longas de trabalho causadas por demandas em excesso, o sobreaviso representa uma modalidade na qual um profissional, mesmo em um momento de descanso, coloca-se à disposição de seu empregador para eventuais tarefas. Nesse regime, o trabalhador aguarda por um chamado e, na ausência deste, pode continuar com suas atividades pessoais, mas deve permanecer atento aos canais de comunicação para possíveis chamados.

Na CLT, o artigo 244 dispõe sobre essa situação; apesar de se apresentar especificamente sobre a categoria dos ferroviários, hoje é aplicada também a outras ocupações, sendo muito comum, por exemplo, no cotidiano de médicos, tripulantes de voo e trabalhos que exigem plantão.

É importante destacar que o artigo ressalta questões como o tempo de escala – de, no máximo, 24 horas – e em relação aos acréscimos de valores ao salário do empregado. Nesse sentido, também há limites para o sobreaviso que devem ser observados pelas empresas.

Conclusão

Conforme apresentado neste artigo, novas questões têm se apresentado no âmbito das relações de trabalho, devido, principalmente, às mudanças mercadológicas que ganharam impulso no contexto de pandemia. É fundamental, portanto, que as empresas se atentem aos detalhes aqui analisados, não apenas visando a construção de ambientes de trabalho saudáveis, mas também para evitar maiores problemas com a justiça trabalhista.

Nesse cenário, pode ser de grande importância o suporte de profissionais especializados com capacidade de apoiar as organizações diante de dúvidas na esfera jurídica, principalmente por se tratar de um debate recente e em ascensão dentro de um mercado no qual os limites sutis entre o mundo físico e digital podem, como vimos, embaralhar a perspectiva sobre trabalho e vida pessoal.

Autor:

Dhyego Pontes é Consultor Trabalhista e Previdenciário da Grounds. Com Pós-Graduação em Direito do Trabalho, o executivo possui mais de dez anos de experiência na esfera trabalhista e previdenciária, tanto na área contenciosa como consultiva. 

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