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quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Amor de novela

Sempre quis ser pai. A ideia de dar e receber um amor incondicional me fascinava. Então, imaginava, de forma romântica, que o dia que eu descobrisse que seria pai, ou o dia em que eu visse meu filho nascendo seriam momentos tão únicos que eu não poderia descrever em palavras tamanho o sentimento que tomaria conta do meu ser. Não foi nada disso. Indiferença. Esse foi o sentimento que vivenciei. Quando minha mulher me avisou da gravidez respondi algo como “ok”. E não se tratava de ter sido pego de surpresa nem nada disso. Nosso primeiro filho foi planejado. Então, o que havia de errado comigo? Pensei que eu não tinha assimilado a ideia de ser pai. Que isso mudaria em alguns dias ou semanas. Nada. Tudo igual. Logo, ponderei que, uma vez que sou uma pessoa racional e lógica, eu passaria a mudar meu sentimento e modo de ver as coisas a partir do momento em que eu pudesse ver meu filho pela ultrassonografia. Algo mais concreto, sabe?! Nova frustração. O que havia de errado comigo àquela altura? Teria me enganado? Era aquilo mesmo que eu queria? Para onde foi aquele sentimento de amor ímpar, sem amarras, sem exigências que eu tanto idealizei ao longo dos anos? Pensei, então, que talvez meu lado frio e racional estivesse suplantando meus sentimentos pelo meu filho tendo em vista todas as incertezas que permeiam uma gravidez. Afinal, eu mesmo sugeri para minha esposa que não contássemos para ninguém sobre a gravidez, talvez depois de 4 ou 5 meses tendo em visto o maior risco de problemas com a gestação. Logo, conclui que tudo mudaria quando do nascimento, ao constatar que nada de errado havia com aquela pessoa que estávamos pondo no mundo. Passaram-se meses até que o dia chegou. Acompanhei minha esposa pelas longas e dolorosas 12horas de trabalho de parto. E ela (sim, uma menina) nasceu no dia 24/07/17. E aquele amor pelo que eu esperava por toda a vida? Não deu as caras. Nada. Absolutamente, nada. Tudo igual. Mais do mesmo. Pela criança apenas um sentimento de responsabilidade. Afinal, eu ajudei a pôr no mundo. Meu lado racional sempre foi afiado. Mas foi só. Seguiu-se a esse sentimento de vazio um árduo período de cansaço extremo. Minha filha teve dificuldades de pegar o peito. Isso acabou fazendo com que voltássemos para o hospital e ficássemos lá, os três, internados por longos dias até que o tratamento de luz ultravioleta fizesse efeito. Quando voltamos para casa, a dificuldade permanecia a mesma. Estresse exacerbado para a mãe. Choros constantes do bebe. Noites e noites em claro sem dormir. Familiares morando longe e não tendo a quem pedir auxílio. Então, numa dessas noites, quando tive que levantar, mesmo exausto, para atender o bebe as coisas começaram a mudar. Cheguei ao quarto dela irritado, com frio – era inverno -, ciente de que eu não tinha muito o que fazer para acudir aquele choro. Porém, ao toma-la em meus braços ela simplesmente sorriu. E, não, isso não deflagrou uma onda de amor e ternura que estava represado no meu coração. Não foi isso. O fato é que ali eu percebi que o meu amor por aquele ser não seria – e nem precisava ser – um amor de novela, em que tudo é cor-de-rosa. O amor que eu passei a nutrir por ela é como um quebra-cabeças que não havia começado a ser montado. Que possui diversas peças distintas, com estampas múltiplas, que vão se encaixando paulatinamente mesmo parecendo que não vão se encaixar. É uma manta complexa onde nem todo o ponto será perfeito, mas ele será dado para que a trama se una e forme algo maior, mais esplendoroso. É um amor que não nasceu pronto, mas que vem sendo construído ao longo dos últimos anos e não tem prazo para se encerrar. Ali eu entendi que o meu amor não era aquele que eu idealizava, um amor arrebatador e sem freios. Também meu amor não seria aquele amor que vendem em programas de televisão, em filmes, ou mesmo aquele que é introjetado nas redes sociais onde tudo é belo, perfeito e digo de filmagem. Eu não reúno os predicados para ter um amor assim e, pasmem, está tudo bem. Isso não faz do meu amor pior ou melhor do que outro amor. É apenas o meu amor para com minha filha. É o amor que eu tenho e que vou entregar a ela não só até quando ela queira, mas principalmente quando ela não quiser receber ou mesmo discordar de que dele ela precise. Meu amor para com minha filha não é de novela e assim está ótimo.

Autor:

Luis Mauro Lindenmeyer Eche

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