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sábado, 7 de setembro de 2024

63 – Trocando idéias…

– Alberto, juro que não entendo….

– O que você não entende, Duarte?

– Bem, você é médico… é um homem da ciência. Sinceramente, não acha que nossos companheiros estão meio doidos?

– Porque?

– Oras, porque…. como é que eles podem cogitar que existem almas do outro mundo rondando nossa cidade… e pior ainda, matando pessoas?…

– Duarte, eu sou uma pessoa esclarecida…

– Eu sei… é por isso que estou falando com você… eu acho que a gente deveria começar a fazer uma investigação de verdade, procurar os culpados de verdade, não espíritos vindos sei lá de onde…

– Duarte, pensa um pouco…

– Pensar em que?

– Você presenciou alguns fenômenos paranormais nesses ultimos tempos… eu mesmo presenciei alguns…

– Que fenômenos?

– Só para te refrescar a memória…. um dos mais escabrosos…  o Mané da Tiana…

– O que tinha ele?

– Exatamente… o que tinha ele? Eu, sinceramente, não sei dizer. Tudo aquilo que aprendi na Faculdade de Medicina não serve para explicar o que nós presenciamos aqui, Duarte. E não foi uma, mas duas vezes…

– Não estou entendendo….

– Duarte, Duarte… o pior cego é aquele que não quer ver, sabia? Primeiro, a gente recebeu o sujeito morto aqui no Morgue….

– Nós pensamos que estava morto… não quer dizer que estava.

– Duarte, sou médico legista a um bom tempo. Eu sei quando um sujeito está morto. E o Mané estava morto, sim, senhor.

– Tá… então me explica como é que ele conseguiu sair daqui com as suas próprias pernas, se estava morto….

– Eu não tenho como explicar… esse é o problema. Ele estava morto e não tinha como ter saido. Simples assim.

– Você mesmo me mostrou que ele estava se mexendo…

– Duarte, deixa de ser turrão, homem… o Mané estava com seu abdomem aberto. Eu tinha retirado algumas vísceras do sujeito… como é que você queria que ele estivesse vivo? Mas nem com reza braba… e você se esqueceu de como o encontraram no campo?

– Tenho certeza de que você tem alguma explicação para aquilo…

– Tenho… ô, se tenho! Duarte… o sujeito estava fedendo, derretendo e simplesmente se dissolveu na sua frente. E você quer que eu arranje uma explicação para isso? Desculpe, meu amigo, mas não tem como…. sou obrigado a abraçar a teoria do delegado e do Seu Zacarias…

– Mas isso não tem lógica nenhuma…

– Meu amigo, desde o começo que essa história não tem lógica… é corpo sem sangue, é corpo sem visceras, sem ferimentos… é aparição que surge do rio…

– Que aparição?

– Duarte, você mesmo me contou…. e disse que quase se borrou todo….

– Eu poderia estar tendo uma alucinação…

– Inclusive no campo, junto com o resto do grupo…

– E por que não? Isso pode acontecer, não pode?

– Até  pode… mas lembre-se que estava você, o padre, o delegado Vicente e o Juca… além de mais três vaqueiros… vai me dizer que todos vocês estavam alucinando? E que o que viram ali foi fruto da sua imaginação?

Duarte ficou momentaneamente sem argumento. Ele sabia que o doutor estava certo, mas admitir isso era admitir que coisas do outro mundo estavam acontecendo em sua jurisdição… e ele não conseguia admitir tais manifestações… não era lógico… não era natural… mas o doutor parecia aceitar os acontecimentos tranquilamente… como se fosse a coisa mais normal do mundo…

– Duarte…

– Sim, Alberto?….

– Eu até queria refutar as idéias do delegado Vicente…

– E por que não refuta?

– Porque, por mais que me doa admitir, ele está certo em suas conclusões… se fosse um agente humano a causa desses ataques… ou até mesmo um animal… nós já teríamos identificado e neutralizado a ameaça… 

Os dois ficam em silêncio por alguns instantes. A porta se abre e entra Alice, sorridente como sempre….

– Nossa, meninos…. não estão sérios demais, não?

– A gente está tentando entender algumas coisas, Alice…

– Posso perguntar o que seria? Ou é alguma coisa confidencial?

Duarte se volta para a professora e responde….

– Não, nada confidencial… ao menos não para o nosso grupo… é que estou questionando a linha de investigação do Delegado Vicente sobre os casos que estamos investigando…

– Sei… 

– Ele acha que temos que procurar o sobrenatural para explicarmos os casos que estão ocorrendo na região…

– E…?

– E eu acho isso um absurdo… temos que procurar respostas racionais para resolvermos essa… maçaroca….

– E o que você acha disso tudo, Alberto?

– Bem, Alice… por mais que me doa admitir… e me dói, tenha certeza… eu sou obrigado a concordar com o delegado Vicente….

– Mas… Alberto, as ideias do delegado não fazem sentido nenhum…

– Racionalmente, não, Alice. Mas se consideramos que não temos nenhuma explicação lógica para os acontecimentos, temos que ter a mente aberta, e aceitar outros caminhos…

– Alberto, você é um cientista… 

– Sou um médico. Mas quando as explicações lógicas não são suficientes, que venham as ilógicas…

– Não entendi…

– Simples, querida… eu receito remédios para meus pacientes…

– Sim…

– Mas algumas vezes eles saram com suas promessas aos santos de suas devoções… 

– E…?

 – Ora, se o Além funciona como agente da luz, pode ser que também funcione como agente do caos…

– Nunca ouvi uma ideia mais estapafúrdia…

– Alice, como eu disse antes, temos que manter a mente aberta…

– Não para aceitar baboseiras e crendices como verdade…

– Se elas nos derem uma resposta aceitável… por que não?

Alice se mostrou um pouco irritada com a observação de Alberto. E sua resposta saiu entredentes….

– Por que simplesmente nunca ouvi uma ideia tão idiota antes… por isso.

Alberto não entendeu o repentino mau humor de sua amiga.  Mas resolveu deixar para lá. Estava cansado do trabalho, o dia fora puxado. E convidou os dois amigos para darem um pulo na pensão da dona Monica, para tomarem um bom café acompanhado com um bolo de chocolate.  Os dois aceitaram na hora e instantaneamente o bom humor de Alice retornou. Começaram a conversar sobre banalidades, deixando os problemas da delegacia e do morgue trancados pelas portas que cerraram. E lá foram os três, conversando alegremente….

Autora:

Tania Miranda

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