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segunda-feira, 9 de setembro de 2024

42 – Pensamentos

Juvêncio estava em seu quarto, já deitado na cama. Devia passar da meia noite, mas o sono não vinha. E ele começou a repassar os acontecimentos do dia. Primeiro, a conversa que tivera de manhã com a professora, e como ficou sabendo que ela tinha um registro de toda a população…isso seria interessante para sua investigação. O bom de seus registros é que ela  era uma pessoa cética e, por este motivo, não haveria nada além de fatos em suas anotações. As suas considerações sobre tudo eram limpas, sem interferência de qualquer tipo de crendice… embora o intuito de suas pesquisas fosse justamente recolher os contos e as histórias fantásticas do sertão. Mas no final ela tinha um histórico de todas as famílias , ou ao menos da maioria delas, desde sua região de origem até os vários casamentos entre os muitos grupos…

Também começou a pensar sobre o que o Doutor Alberto lhe contou sobre os vários casos que aconteceram pela região, culminando com o cadáver desaparecido do necrotério. Os corpos vazios, sem as entranhas, foram os que mais o deixaram intrigado. Até mais que os corpos sem sangue. É claro que tudo era estranho, não tinha como negar. Mas algumas coisas ele já vira em suas andanças, e sabia como combater. Outras, já eram novidade e ele teria que descobrir como proceder.

Talvez Zacarias tivesse as melhores pistas para resolver os casos…. ele conhecia as histórias, suas origens e sabe-se lá Deus o que mais… o homem era uma fonte de informações sobre tudo, embora fosse evasivo naquilo que passava para os outros… nunca falava sobre assunto algum diretamente… era sempre com figuras de linguagem, ilustrando suas histórias de tal forma que o ouvinte mais distraído podia toma-las como simples causos de pé de fogão… mas todos eles tinham como referência casos e pessoas reais envolvidas… comentava-se à boca pequena que ele inclusive tinha como identificar algumas das feras que rondavam a região e que, sempre que possível, tentava resolver a situação da melhor maneira possível…

E Juvêncio ficou pensando… se desse para reunir os conhecimentos da professora com os de Zacarias e mais o olhar crítico do médico, seria bem mais fácil desembaraçar todo aquele novelo emaranhado… o problema é que Zacarias não gostava de falar sobre as coisas que conhecia… e a professora era cética demais… quanto ao doutor, era apaixonado pela professora e talvez isso afetasse seu senso prático…

Sem mais nem menos, Juvêncio começou a pensar no encontro que teve com a professora. Duas vezes, no mesmo dia… uma, por acidente, outra pelo acaso total. Não podia negar que ela era bonita… atraente. E de repente passou a compará-la com Rosinha, a mulher de sua vida que o havia trocado por outro homem.  No dia que retornou para sua vila, disposto a deixar de lado a vida de aventureiro, para ficar ao lado de sua amada foi o dia que descobriu que ela havia se cansado de esperar que ele cumprisse a missão em que havia se empenhado… encontrar e castigar os responsáveis pela morte de sua família. Não podia culpá-la… afinal ficaram quase uma década sem se ver… como poderia esperar que ela continuasse a esperá-lo por tanto tempo? O baque sentido foi forte… nem mesmo o pior dos bandoleiros que enfrentara em suas andanças conseguiu derrubá-lo do jeito que a moreninha o fez. Bem, no final, quando ele retornou já faziam dois anos que ela estava casada com o filho de um dos fazendeiros da região. Claro que, quando o viu chegar, ela ficou receosa de sua reação. Mas Juvêncio, mesmo com o coração ferido pela decepção, soube entender e aceitar o ocorrido. Foi quando recebeu o convite para fazer parte da Polícia Federal e aceitou… com o tempo… e com as tarefas que recebia do comando… foi aceitando melhor o golpe recebido…  

Alice era uma mulher bonita. Estatura mediana, tez clara, cabelos avermelhados… era uma sarará, como dizia o caipira. Voz macia, que fazia o caboclo sonhar mesmo quando estava dando uma bronca. Sorriso meigo, olhar de boneca encantada… sim, a moça realmente era um pedaço de mau caminho. Mas era melhor tirar essas minhocas da cabeça… a moça era… ou parecia ser… comprometida com o doutor. E ele não gostaria que outra pessoa passasse pelo inferno que ele passou quando sua amada o trocou por outro… mas o olhar dela….

Balançando a cabeça para espantar certas… ideias… Juvêncio pensou que seria melhor não procurar a professora por algum tempo… era melhor se fixar nos problemas que estava enfrentando e não arrumar mais nenhum novo para sua vida. Estava bem com sua vida de homem solitário e não tinha por que mudar isso. Não agora, pelo menos… mas aqueles olhos azuis… nunca tinha visto uma mulher tão bonita… e inteligente…

Tentando sair do devaneio em que se encontrava, Juvêncio  fixou-se na figura de Zacarias, que poderia ter a chave para conseguir resolver ao menos algum dos casos em aberto…  também tentou fixar-se na história do defunto desaparecido do doutor Alberto, mas era tudo em vão… a imagem da professora se sobrepunha a tudo o que ele tentava pensar. E foi nessa profusão de pensamentos contraditórios que o sono acabou por alcança-lo, dando -lhe algumas horas de trégua, onde nada além das campinas verdejantes existia em sua frente… e nessas campinas ele cavalgava Corisco, que ainda estava vivo e forte, e lhe proporcionava momentos de plena felicidade, enquanto corriam pelos campos imensos da vida…

Foi durante o sono que surgiu uma pergunta em sua mente… em que momento da sua vida passou a combater seres de outro mundo? Combater bandidos comuns era muito mais simples… era só identificar quem era o vilão do momento, dar-lhe algumas surras e, se isso não bastasse, era só deixar as armas falarem. Simples, rápido e limpo. Bem, talvez não tão limpo, mas… agora, enfrentar almas do outro mundo… como foi que isso começou? Quando saiu de sua vila para caçar os assassinos de seus pais, com certeza. Afinal, Pai Zequinha não havia feito uma oração e alguns benzimentos para deixar seu corpo fechado? Isso era, de certa forma, uma preparação para enfrentar forças do além… e ele sempre carregava patuás cheios de mandinga para protege-lo de coisas que nem imaginava… mas que acabou enfrentando em suas andanças pelo sertão. E enquanto cavalgava Corisco pelas campinas do além essas imagens passavam por sua mente como se as estivesse vivendo novamente… 

Autora:

Tania Miranda

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