21.7 C
São Paulo
segunda-feira, 9 de setembro de 2024

41 – Reflexões

A tarde estava caindo. O frescor do vento noturno abraçava toda a imensidão. Mais ao longe, nas margens do rio, o vento uivava, passando pelas folhagens… aquele uivo que nos lembra o lamento das almas perdidas entre o limbo do Purgatório e as Portas do Inferno… ou do Paraíso. As montanhas, onde o sol se escondia, apresentavam aquele vermelho fogo, prenunciando um novo dia de calor, quando amanhecesse novamente. Por ora, a brisa fresca era tudo o que a noite desejava, para aliviar o tormento das almas que se encaminhavam para a barca de Caronte.

Juvêncio caminhava pela alameda, compenetrado, pensando nas histórias que ouvira de Zacarias e de Alice. Eram pontos de vista diferentes, histórias contadas de forma diferente, mas que tinham muito de parecidas… se não em sua forma, em sua essência. Pelo que o Justiceiro conseguiu entender, a tempos havia pelo menos cinco tipos de manifestações sobrenaturais assolando aquela região. Mas sempre de forma discreta… tanto que quase não se notava sua presença em nosso mundo. Mas nos últimos tempos… alguma coisa não estava certa. Manifestações fantasmagóricas eram aceitáveis, até certo ponto. Mas uma por vez, e sem fazer os estragos que estavam fazendo na vida das pessoas da região. De uma coisa ele tinha certeza… alguém, em algum lugar, havia invocado as forças das trevas. A grande pergunta era… por quê? Se bem que havia uma outra, até mais importante que essa… será que a pessoa que abriu os portais do Inferno tinha noção do que realmente fazia? Ou era apenas uma curiosa, tipo a professora, que mesmo sem acreditar nas coisas além de sua compreensão, resolveu fazer algum rito e como resultado acabou por causar o caos? Era um ponto a se pensar… e pesquisar. E, naquele ponto, tudo apontava que a culpada das coisas estarem como estavam podiam ser da professora… ou de alguém com a mesma sede de conhecimento dela… curiosidade é uma coisa boa… até certo ponto! Depois de certo limite, se a pessoa se esquece de se manter em segurança, tudo explode na sua própria cara.

Juvêncio já havia decidido. No dia seguinte voltaria a conversar com os líderes religiosos da região novamente. Pois se alguém tinha dado um passo além do permitido, com certeza teria que ser um deles… está certo, a professora estava em sua lista de suspeitos, também… mas mais por ser curiosa do que por qualquer outro motivo. Ele duvidava que aquela mocinha cheia de “não-me-toques” tivesse a coragem necessária para fazer um dos muito rituais exigidos para uma empreitada dessa natureza. Não, com certeza ela não iria querer sujar suas mãozinhas delicadas com sangue de animal algum…. bem, ele poderia estar enganado, é claro… afinal, não dá para se julgar ninguém pelas aparências… bem, se ela tivesse feito essa besteira… não seria nada fácil desfazer! Sim, era melhor que algum dos vários pais de santo, pastores, padres e sei mais lá o que fosse o responsável pela bagunça… seria mais fácil consertar…

De todas as manifestações as mais perigosas eram, sem dúvida, a “mulher de branco”…. que Juvêncio tinha certeza que não tinha nada a ver com a aparição que avistou no rio… e o Papafigo… que, pelo que ouvira a professora contar, havia sido capturado, mas que um infeliz acidente permitiu que o mesmo escapasse. Sim, sem dúvida alguma, o corpo sumido do necrotério era o responsável pelas mortes misteriosas ocorridas nas redondezas. Quando à “mulher de branco”… bem, essa ele não havia conseguido entender, ainda. Não era um fantasma qualquer, já que drenava o sangue do corpo de suas vítimas…  ele já tinha ouvido falar alguma coisa sobre isso em algum lugar, mas não conseguia se lembrar onde… e nem como poderia combater essa aparição… quanto ao Lobisomem, ao menos por ora estava sossegado… ainda não havia desenvolvido seu gosto por sangue e talvez nunca viesse a desenvolvê-lo…. afinal, havia vários tipos desses bichos e parecia que o deste vilarejo realmente era inofensivo… bem, teria que aguardar o futuro…. quanto ao saci… bem, este só fazia estrepolias, então não havia muito com o que se preocupar… a mula sem cabeça e o boi-tatá, também não. Afinal, esse dois só seriam perigosos se alguém desse o azar de cruzar o caminho dos mesmos…

Quando Juvêncio se deu conta, estava em frente ao necrotério do vilarejo. As portas estavam abertas, então resolveu entrar. Se desse sorte, o doutor Alberto estaria presente e poderiam conversar um pouco. Deu sorte. Logo os dois estavam instalados na sala do médico e conversavam animadamente sobre vários assuntos… Juvêncio resolveu conhecer um pouco o médico, antes de entrar no assunto que realmente lhe interessava. E decidiu que ali não era o melhor lugar para certas perguntas que desejava fazer. Como já era tarde, e nenhum dos dois havia jantado ainda, Juvêncio convidou o doutor a acompanhá-lo até a Pensão, onde desfrutariam de uma lauta refeição. Alberto aceitou, afinal a conversa com o Delegado era agradável e ele precisava conversar com alguém que não o estivesse pressionando por resultados nem ficasse duvidando das coisas que ele contasse…. sim, ele e Alice estavam em crise devido ao ceticismo dela em relação ao que o doutor lhe contava, e sua relação profissional com Duarte estava um tanto delicada, pois como Duarte precisava entregar alguma coisa palpável para seus superiores, acabava pressionando-o para alcançar seus objetivos…

Quando caminhavam em direção à Pensão cruzaram com Alice, que estava passeando com Sofia, sua colega de profissão… as duas trabalhavam na Escola do arraial. Quando Juvêncio cumprimentou as moças, Alice segurou a mão de Juvêncio um pouco mais do que se era esperado. E o fitou intensamente. Juvencio ficou um pouco desconcertado, mas logo se recompôs.  Alberto nada notou, pois tudo durou um átimo de segundo. Os dois rapazes convidaram as moças para acompanhá-los na refeição, o que estas aceitaram de pronto, e lá se foram os quatro caminhando pela alameda, conversando alegremente sobre tudo e sobre nada, felizes  apenas por estarem vivos e desfrutando de mais um dia que havia sido incrível em suas vidas…

Autora:

Tania Miranda

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio