“O amor é tão mais fatal do que eu havia pensado, o amor é tão inerente quanto a própria carência, e nós somos garantidos por uma necessidade que se renovará continuamente. O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.”
Clarice Lispector
O medo de perder o grande Outro que Lacan vai dizer, acho incrível como se dá o nome para o medo de perder alguém que se ama. É até bonito dizer, mas é mais complexo do que se imagina viver essa experiência. A grande jogada da filosofia humana é a própria reflexão de sujeito, ou seja, você nasce quando se descobre como sujeito. E isso às vezes leva tempo.
Quando se descobriu como sujeito? A pouco tempo, aos 28 anos.
Lembro-me da primeira reflexão que fiz sobre a contingência de perder minha mãe, lá na adolescência, recordo-me da angústia que sentia no peito só de pensar na possibilidade de perder o meu grande Outro, a minha vida. Porém, também descobri que recalcar esse medo me tirou a vida. Por que não era mais o medo de perder para a morte, era o medo de ser desamparada pelo grande Outro.
Me questiono o que é a vida sem aquele discurso dos nossos pais, sociedade, cultura que valoriza o que é certo ou errado, desvalorizando a singularidade de cada sujeito. Desde quando comecei a sentir que precisava ser algo diferente para ser o amor dos Outros. Mente-se diversas vezes, dizendo o contrário de si, por vergonha ou medo de perder aquele que se diz amar?
Olhar para o passado não é uma tentativa de mudança, mas sim de elaboração. Ainda continuo mentindo? Agora que já entendi que não serei desamparada por ser quem eu sou, por que ainda continuo com medo? A sensação de morrer é apenas uma ansiedade da angústia que não quer se parir?
Já descobri que não vou morrer ao outro partir, porém continuo com o medo disso acontecer, quem sabe fingir seja melhor para esquecer ou dizer que não me importo, posso colocar a culpa nos signos, dizem que aquário é desapegado. Contudo, a verdade é que você descobre que – não morre – ao ver o outro partir, pois aqueles que ficam quando você é o que é, vale muito mais a pena do que ficar preocupado com aqueles que se vão.
O meu grande Outro não vai a lugar nenhum, não importa o que acontecer ele me ampara, dentro das suas condições, porém isso não significa que a expectativa de não decepcionar ainda não exista. O medo de decepcionar ainda continua, no caso só mudei os papéis – medo de decepcionar quem?
Talvez não queira decepcionar-me comigo mesma, já que sou apenas um reflexo do grande Outro. Na minha fantasia criada, no meu eu ideal, no meu semblante – sou uma puta decepção. No entanto, é impossível alcançar isso que se fez a partir de uma projeção. Você não morre ao lidar com a frustração.
Naquele dia, naquela noite, jurei que iria morrer caso ele me deixasse, me joguei aos seus pés e implorei – por favor, não me abandone, não me deixe, preciso de você, prefiro morrer. Obviamente, está em uma relação completamente abusiva, porém viva. Perder aquilo era perder a vida novamente.
Sobrevivi, descobri que ninguém morre por amor. O detalhe é que nem sabia o que era amor para se morrer. Uma paixão estúpida, uma euforia enlouquecida, cheia de adrenalina, perigos, raiva, ódio e uma profunda humilhação de si mesma. Daria minha vida por esse homem, o abusador? o namorado machista alcoólatra? ou apenas um homem babaca que não sabia nem o que era ser homem.
Obviamente, também era uma mulher idiota e que nem sabia o que era ser mulher, e muito menos amor de um homem.
Infantil, doentio, uma paixão exacerbada, um gozo inconsciente, um sofrimento tão familiar, uma cruz para carregar. Um complexo de édipo para resolver qual é o meu lugar. Uma carência narcísica para se curar. Um investimento libidinal para introjetar o amor próprio a compreender que paixão é boa, quando se tem a quem amar por inteiro.
Mesmo que morra de amor, porém vivo para continuar amando. Como diz Mario Quintana “Você me faz morrer de amor e continuar vivendo”. Abrir mão da paixão por ser um delírio doentio, é abrir mão da euforia de sentir o teu corpo tremer por aquilo que se deseja. Prometi que nunca mais me apaixonaria, parei de cumprir até um tempo atrás, por perceber que sem paixão não há vida.
Tenho medo de perder o amor, porém tenho mais medo de não vivê-lo seja onde for, com quem for e por eu for.
Serei eu o meu grande Outro, a qual não desejo decepcionar? Se sou, devo estar gostando desse caminhar. Me mostrando o que sou e dizendo – é preciso me aceitar, caso contrário, aceitarei a sua partida ou a minha, tanto faz. Continuarei a me decepcionar com tantas partidas que não gostaria, porém isso faz parte da vida, não se dá para morrer toda vez que o seu coração insiste em parar.
A morte é a dor que te invade, não importa o que você faça, ela te assombra. O exagero fantasiado de viver a morte também te assusta, porém você goza ao perceber que está viva. Uma grande jogada – sentir a morte para sentir a vida. Pensar na morte para valorizar a vida. Odiar a morte para amar a vida. Sonhar com a morte e ao acordar perceber que é pura sorte.
Ainda não consigo ser completamente eu fora do meu abrigo, vou com calma, pouco me permito, mas quando desejo algo – me abro para possibilidade de amar – mesmo com medo de ficar desamparada mais um vez nessa cidade. Quem sabe devo mudar de cidade, era isso que eu imaginava quando pensava na possibilidade de recomeçar, ser outra pessoa da qual pudesse me orgulhar por não viver uma mentira fracassada.
Não vou morrer ao ser desamparada, pois já cresci e sei que vou continuar aqui – mesmo com todas partidas que irão surgir.
Autora:
Samanta Botelho Kons
Muito bom!
Ótima crônica… de fato, achamos que vamos morrer, mas sempre é possível sobreviver, por mais que doa de início.