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segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Nessa partida, quem joga sou eu

Esse ano foi apocalíptico. Conto nos dedos quais relacionamentos eu não perdi por boatos e comentários alheios. Amigos indo embora, amores esquecendo o caminho de volta e eu ficando sozinha. E são dias como esses em que a gente deseja que o inimigo fosse o nosso espelho, e não o mundo lá fora. É muito mais fácil dar um soco num pedaço de vidro do que ficar em alerta por qualquer sinal de perigo.

“Ouvi uns comentários…”, “É, já me falaram que…”, “Mano, me contaram…”. E a lista segue. Perdi aquele cara que era tão legal e me ofereceu um ombro amigo quando me viu chorando. Aquela amiga que comeu delivery comigo quando eu voltei para o Brasil. Aquele lá de uns meses atrás que pagou um Five Guys no primeiro encontro. Isso eu falo de 2022. Daqui pra trás, eu preciso olhar em planilhas. Mas o que posso fazer? Eles ouviram coisas. Mentiras. Mas coisas.

E as pessoas falam muito. Incontrolavelmente, Lamentavelmente. Infelizmente. Me viram ficar vermelha e respirar mais rápido. Notaram que eu fechava o olho e sorria de orelha a orelha com um fone de ouvido que me tirava daquele lugar. Descobriram que meus olhos brilhavam quando eu falava com alguém que fazia meu coração acelerar. Perceberam que eu falava 16395 palavras por minuto quando eu amava.

E quem sofria, além de mim, era quem tava comigo. Ouvir coisas absurdas sobre quem a gente ama é tentador demais para largar de mão. E muitos cedem a essa tentação. Já que me deixam. Mas acontece que tem pessoas que eu vou precisar botar o pé no chão e guardar no baú. Num cofre. Numa caixa disfarçada de livro. Num lugar onde ninguém consiga nem pular para alcançar.

Tem coisas que a gente deixa passar. Tem coisas que não. Existem situações em que a gente chora quando pessoas influenciam. Mas existem outras em que a gente não pode deixar isso acontecer. Meu Deus, eu não posso deixar isso acontecer. Não digo que mantenho tudo às 7 chaves e uma vida afetiva no sigilo. Só virei mais cautelosa. Olho 2 vezes ao atravessar a rua e sempre olho para trás quando tô andando pela faculdade. Também comecei a falar mais baixo quando a janela do meu quarto tá aberta.

Tenho medo de que o mundo lá fora descubra que eu tô feliz. Que tenho planos a longo prazo para daqui a alguns meses. Que eu tenho viagem marcada, roupa para encontro comprada e o motivo para atraso nas primeiras aulas. Que eu não vou precisar sair todo dia com a chave do apartamento na bolsa. Que eu durmo abraçada com o travesseiro toda madrugada. Que eu até comprei uma roupa pra ir pra balada nos finais de semana. Olha que merda.

Tenho medo porque quero ter controle do que eu tenho aqui dentro. Quero subir de fininho a escada até o sótão, tentando não fazer barulho. Sussurrar por um no viva voz de madrugada até a minha voz parecer falha. Dançar sozinha pelo meu quarto de calcinha e sutiã sorrindo. Ficar com as bochechas rosadas e o corpo aquecido depois de um copo mágico de água.

A questão é ter medo de, simplesmente, tirarem o controle do video game da minha mão e decidirem que naquela partida eu não jogo mais. Nem com controle falso. Nem fingindo que tá

conectado na TV. Medo de me devolverem as manhãs e me tirarem as madrugadas. De me fazer passar frio. De ser um ciclo sem fim. De que destruam tudo. Mais uma vez.

Autora:

Yasmin da Silva Almeida

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