Quem tem cachorro sabe que quando sai para passear atado à guia, sempre arruma encrenca com outros animais, rosna, late e avança. Quando soltos no cercado da praça, nada fazem, mas presos, criam o caos. Por que agem assim? Capricho? Instinto? Mostrar serviço aos donos?
Estudos recentes apontam que tal atitude não é exclusiva do mundo canino. Muitos humanos apresentam propensão inexplicável para bater boca e brigar por qualquer motivo, ou mesmo sem motivo. Isolados, no mano a mano, quase não se atacam, mas em grupos, ou com plateia, surge a necessidade de causar.
Tina e Osberto brigam desde a tenra idade. Vizinhos, um atazanava o outro com cutucões, chiclete no cabelo, estilingada de mamona, bexiga cheia de água ou filtrado renal etc. Estudavam na mesma escola e os pais eram sempre chamados à sala da diretora. Adolescentes, namoravam qualquer um que fosse o pior desafeto do outro, só para provocar.
Tudo começou no aniversário de 4 anos da Tina. O estabanado Osberto, na hora do Parabéns à Você, jogou refrigerante na menina, que retribuiu com uma garfada no rosto dele. Pegaram-se pelos cabelos e a festa terminou.
Ele era baixinho, ruivo, sardento e pronunciava várias palavras com letras trocadas. Falava “tachorro” em vez de cachorro. Ela o apelidou Nanico Ferrugem e Hortelino Trocaletras, personagem da Turma do Pernalonga. Quando nervoso ele errava ainda mais. Tina era gordinha, óculos fundo de garrafa, tinha diastema (dentes espaçados) e gaguejava. Osberto dizia que o buraco do dente era para encaixar canudinho e a chamava de Gaguinho, outro personagem do cartoon.
Aos 14 anos, eles se mudaram. Osberto Madeira foi para o Interior e cursou psicologia. Cresceu musculoso e o cabelo ganhou tons acaju, tornando-o charmoso e conquistador. Anos de fonoaudiologia resolveram 90% dos problemas de dicção e provocaram incontinência verbal. Fala muito e com bela voz de locutor de rádio FM. Tina Key, hoje linda e atraente jornalista, queria ser apresentadora de telejornal. Fez cirurgia, livrou-se do óculos, mas mesmo com jornada de autoconhecimento, terapia de regressão e meditação, a gagueira persistiu e ela seguiu carreira no jornalismo impresso. Brilhante redatora, vive só, é pessoa de difícil trato e espanta possíveis interessados. Os colegas dizem que Tina tem a libido de uma alcachofra, ao que ela responde: “a mulher que não tem sorte com homens, não sabe a sorte que tem.”
Todos os anos, no aniversário de fundação, o Jornal promove um Ciclo de Debates e publica o aguardado Suplemento Especial. O tema deste ano é “Trabalho e Felicidade”, com palestras sobre Burnout, Sua carreira e o Chat GPT, Home Work, Equilíbrio entre Família e Profissão e outros. Tina se preparou para cobrir o evento, visitou os sites dos palestrantes e conferiu seus currículos. Um deles chamou sua atenção: o cara parece não ter um passado, nenhum registro anterior à faculdade.
A última palestra foi justamente a dele, o doutor Berth Wood, consultor e autor do semi best seller “Como fracassar na vida e ser infeliz no amor”, no qual contesta o modismo da autoajuda, para ele charlatanismo e auto enganação. Berth Wood falou por uma hora e foi muito aplaudido. Durante o coquetel, os convidados conversavam com os palestrantes e Tina, que detesta interação social, resolveu ficar. Pegou um pratinho com bolo e aproximou-se do grupo que rodeava Berth Wood. A cicatriz de 4 pontos junto à orelha direita chamou sua atenção. Perguntado sobre amuletos, Berth respondeu que não acredita no poder de objetos como figas, trevos de 4 folhas ou pé de “toelho”.
- Pé-pé de “to-toelho”? – perguntou Tina gaguejando levemente.
Nada engana mais que um fato óbvio! Aquela cicatriz é resultado da garfada no seu aniversário e o filme de sua infância projetou-se de imediato na mente.
- Berth Wood? Qual é? Você é O-osberto Made-deira, Na-nanico Ferrugem ou Horte-telino Trocaletras. Mundo pe-pequeno. K K K. Tingiu ca-cabelo?
- Ora, ora, se não é a Gaguinha! Tina Key? Que cascateira! Você é a Sinvastatina Chaves, a gorducha vesga com nome de remédio para colesterol. Cadê o bu-bu-buraco nos dentes para o ca-canudinho? K K K.
A antiga animosidade por pouco não recomeçou. Ele quase jogou vinho nela, que ia contra-atacar com uma garfada no lado esquerdo, para harmonização facial. Em vez disso, conversaram cordialmente, para surpresa de quem nunca viu Tina interagir com estranhos do sexo oposto da mesma espécie por mais de 3 minutos. Ambos sorriam e pareciam felizes. Após o evento, saíram para jantar, resolveram as pendências da infância e começaram a namorar.
Com as dicas da namorada redatora, as palestras e os livros de Berth Wood melhoraram muito. Tina tornou-se mais gentil e simpática com os colegas do Jornal. Viviam um conto de fadas e marcaram o noivado para o dia do aniversário dela, um evento íntimo, apenas para as famílias e alguns colegas de trabalho, testemunhas da reaproximação e da mudança em suas vidas.
Na hora da famosa pose para a foto com braços entrelaçados e taças de champanhe em mãos, Osberto desequilibrou e derramou o espumante gelado no vestido de Tina que, imediatamente, pegou um garfo e cravou-o abaixo da orelha esquerda. E foi assim que a briga recomeçou. É como diz o ditado: Amigos vão, amigos vem, mas um bom inimigo, esse é para sempre!
Hahahaha!
Maktub.
Parabéns Laerte e obrigado por essas pérolas da sexta-feira.
Obrigado, amigo, pelo comentário.
Querido Laerte
Como sempre, adorei !
Divertido e bem escrito. Bjs
Obrigado Renata. Abs.
Parabéns Laerte, você fez minha sexta-feira ???
Obrigado pelo comentário, Milza.
Divertido como sempre!
Obrigado pelo comentário, Katia. Abs.
Bem assim! Adorei ????????
Obrigado pelo comentário, Denise. Abs
Tomando uma breja, me divertí! Puts! Muitos risos.
L.MEDEIROS 693 Turma de 75
Obrigado pelo comentário, amigo.
Muito bom, como sempre.
Obrigado pelo comentário, amigo.