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quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Sobre Barcelona, Gal Costa e Tristeza

Lembro de alguém me dizer, certa vez, que seria difícil eu ficar triste em Barcelona. Gostaria de dizer para esse certo alguém que ele está equivocado. Estou triste hoje, assim como estive triste em muitos outros dias da minha estadia aqui. E ameaço dizer que a tristeza em Barcelona é ainda mais dolorida do que a tristeza em Presidente Prudente, porque a tristeza do lado de cá do Oceano é acompanhada da terrível culpa de “Eu deveria estar vivendo a cidade que nunca dorme”. Pois é, o Rio de Janeiro também nunca dorme e eu já fui triste lá, da mesma forma que estou aqui.

Não acho que a melancolia seja um traço da minha personalidade. Na verdade, tive mais dias felizes que tristes ao longo da minha vida. Também tive mais dias felizes que tristes em Barcelona. Mas não tem jeito. Estou triste. Em meio aos livros da biblioteca da Faculdade de Geografia da Universidade de Barcelona minhas lágrimas insistem em cair enquanto eu escrevo isso e escuto no fone uma música da Gal Costa. Fui triste quando Gal nos deixou. E eu já estava em Barcelona.

Hoje escrevo sobre tristeza para ver se alguém me escuta. Não alguém que me disse que seria difícil ser triste em Barcelona. Mas alguém que eu sei que está aqui comigo enquanto eu escrevo. Ou alguém que sempre esteve na minha melancolia, mesmo em dias felizes. Roberto diria “Esse cara sou eu”, mas a minha tristeza é mais sobre precisar saber da piscina, da margarina, da carolina, da gasolina. Minha tristeza é mais sobre Gal do que sobre Roberto.

Talvez a tristeza então seja só uma dose de tédio. Certa vez, outro alguém que não aquele das primeiras frases, me disse “Cabeça vazia, oficina do diabo”. Mas minha cabeça nunca esteve vazia em Barcelona. Pelo contrário. Ela é repleta de frases que misturam catalão, espanhol e não-sei-o-que sobre logística e produção do espaço urbano. Em dois meses que estive feliz e triste em Barcelona produzi metade da minha tese de doutorado e alguns artigos que não vão ser lidos. Seria a cabeça vazia então o sentimento de ninguém me ler? Apenas o diabo.

A tristeza vai muito além de ninguém me ler. A tristeza é sobre alguém me ver. E me reconhecer perdida entre os livros da biblioteca e entre as músicas brasileiras do fone de ouvido. É sobre me deixar ficar triste em Barcelona, mas não triste o suficiente para eu esquecer que preciso aprender inglês, preciso aprender o que alguém sabe e sei lá…um dia viver na melhor cidade da América do Sul.

Para o primeiro alguém: é possível sim ser triste em Barcelona.

Para o segundo alguém: cabeça vazia não é oficina do diabo. O diabo é muito sagaz para migalhar vazios existenciais.

E para mim, dentro da melancolia de dias felizes ou dentro da felicidade de dias tristes em qualquer lugar do mundo: Baby, baby, I love you…

Autora:

Samarane Barros

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