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segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Na Serra Da Mantiqueira

Na serra da Mantiqueira
Sob a fronde da mangueira
Que ela em moça viu plantar
Sentadinha no seu banco
Trançando o cabelo branco
Mãe Maria vai sonhar

(Ary Kerner Veiga De Castro)

Quando eu era criança, todos os dias de manhã acordava com os acordes desta música. Sempre a achei bonita. Mesmo porque era a versão orquestrada. E toda madrugada, às cinco horas ou cinco e meia, não tenho certeza (com o tempo a memória vai apagando alguns detalhes) começava na Radio Nacional um programa que tinha como título o nome dessa canção… “Na Serra da Mantiqueira”… Quando começavam os primeiros acordes da canção…meu Deus, eu viajava pelo espaço… era lindo demais. É claro que a emissora só tocava essa estrofe da música, então eu não tinha noção de quão triste era a letra desta canção… e nem tinha noção sobre o que realmente esta falava. A única coisa que eu sabia é que ela tinha o nome do local de origem de minha família… a serra da Mantiqueira…

Tanto a família de meu pai quanto de minha mãe vieram daquela região de São Paulo…  eu mesma também sou oriunda dessa região… afinal, Taubaté, minha cidade, fica bem próxima do pé da serra… ah, sim, sou do Vale do Paraíba… Meus avós paternos moravam na serra, mesmo. Os avós maternos, já viviam no Vale, mas sempre próximos à serra…

Eu amava visitar meus avós… era tão bom estar ali, no meio daquela imensidão que eram o Vale e a Serra. Verdade seja dita, eu gostava do lugar porque não era muito diferente do local que eu morava, aqui em São Paulo. A topografia dos lugares era bem semelhante, ao menos para mim. Eu sei que alguém vai dizer “São Paulo é um planalto, não uma serra…”  bem, na verdade os morros e as serras que formam o Planalto Paulistano… afinal, temos a Serra da Cantareira, a Serra do Mar… fazem com que a topografia do lugar seja assemelhada à das cidades do interior…

Meus avós maternos sempre moraram no Vale do Paraíba, trabalhando nas plantações das fazendas ao pé da Serra… entre os vários locais que trabalharam, as fazendas de arroz eram as mais belas… aliás, quase que me afoguei em uma plantação de arroz, acreditam?  Bem, quando está próxima a colheita de arroz, as quadras são inundadas, e as valetas são bem profundas. Para caminharem de uma quadra à outra, os camaradas costumam usar um tronco de madeira como ponte. Um dia, quando fomos visitar meus avós, eles estavam trabalhando na plantação de arroz. E minha mãe resolveu ir vê-los no trabalho. Eu tinha uns cinco anos, mais ou menos. Quando fomos atravessar de uma quadra para a outra, eu escorreguei e caí na valeta. Minha tia pegou-me pelos cabelos e me salvou de me afogar…

O que eu achava lindo no interior era, principalmente, as quedas d’água… as cachoeiras… os rios que cortavam as campinas eram lindos… e tudo isso me era familiar, pois a região em que moro era toda cortada por regatos e minas d’água que desembocavam na represa que fica próxima de minha casa. Sim , ainda hoje moro próxima da represa, então ainda tenho o privilégio de ter o verde ao meu redor. Não tenho tanto verde quanto eu gostaria, mas tenho mais do que a maioria das pessoas podem desfrutar.  A orla da represa ainda tem árvores, onde os pássaros ainda fazem sua pousada. É bem verdade que, de uns tempos para cá, o número de urubus aumentou e muito… mas aí é culpa dos despachos que insistem em fazer à beira da água…. Aliás, se o povo não insistisse tanto em sujar as margens da represa com suas oferendas, o lugar em que moro seria o local mais belo da terra… enfim…

Bem, mas eu comecei a falar sobre a canção e, de repente, mudei totalmente o foco… quando criança, jamais imaginei que o tema dessa música era o entrevero de São Paulo contra a União… a bem da verdade, nessa época eu nem sabia que São Paulo um dia tinha entrado em pé de guerra contra a Federação… e mesmo quando entrei na escola, e comecei a aprender a história do Brasil, mesmo quando nos deram noções sobre o que seria a Revolução Constitucionalista, demorei muito para ligar os pontos. Isso se deveu em parte porque eu não conhecia a letra da música inteira… e também nunca tive curiosidade em conhecer… afinal, os versos iniciais me eram suficientes para sonhar… imaginem o susto que levei na primeira vez que ouvi a música inteira  e percebi que no final a alma do filho da Mãe Maria, que morreu no confronto contra as tropas legalistas, vem avisar sua mãe que logo ela também irá para a terra dos pé junto…. Bem, aí eu achei que ela era um tanto quanto tétrica… enfim…

Quando eu era adolescente, meus avós estavam idosos e já não conseguiam manter o ritmo exigido para se trabalhar na roça…. E conseguiram uma colocação como caseiros em uma fazenda… nossa, como eu amava visita-los nessa fazenda… primeiro porque, assim que eu chegava, meu avô ia até a mangueira para buscar leite fresquinho para mim… o leite vinha quentinho… era uma delícia!  Depois tinha o pomar, onde eu me deliciava com os vários tipos de fruta ali plantados.  E  a horta… aquela verduras fresquinhas, colhidas na hora para fazer parte da refeição… nossa, era simplesmente delicioso… é claro que, de vez em quando, você cruzava com uma cobra ou outra…mas elas não estavam nem um pouco interessadas em interagir com a gente… e cada um seguia seu caminho…

Uma vez, quando estava passeando pelas redondezas da fazenda, eu vi uma pata com seus filhotinhos… não resisti e acabei pegando um deles… era tão fofinho… mas acabei soltando o bichinho, pois o que eu iria fazer com ele?  Com certeza estaria bem melhor ao lado de sua mãe e seus irmãos…

Ah, sim, um dos lugares mais gostosos de se ver era a tuia, onde deixavam os grãos de café secarem ao ar livre… era um espaço bem grande, com uma lona cobrindo todo o chão, e o café esparramado por sobre essa lona. De vez em quando precisavam mexer os grãos, para que a secagem destes se desse por igual…

O interior era muito bonito. O verde a se perder de vista, os rios caudalosos serpenteando por entre as campinas, o arvoredo espalhando seu perfume inebriante… os pássaros em seus voos lindos… bem te vis, corruíras, canários, sabiás, tizius, tico ticos… nossa, a infinidade de pássaros… era uma coisa muito, mas muito bela, mesmo! De manhã, quando a passarada vinha anunciar o dia que estava amanhecendo, era uma coisa do outro mundo. É claro que quando você está vivendo o momento, não tem a dimensão exata da beleza daquilo que está ocorrendo ao seu redor. Só muito tempo depois, quando a lembrança te faz rever momentos vividos é que você compreende o quanto foi agraciada com algo que a maioria das pessoas nem imagina que exista.  Mesmo porque toda experiência é única, e cada pessoa tem uma visão diferente do que acontece ao seu redor. Exemplo: – uma sala de cinema, onde as poltronas para o publico eram caixas de tomates…mas isso não tirava a beleza do filme… todo mundo ficava com os olhos grudados na tela, assistindo o desenrolar da história, rindo a bandeiras despregadas… era uma coisa tão legal, onde as pessoas ficavam tão à vontade, que o fato de não haver cadeiras no salão não fazia a menor diferença. O que importava era a diversão. Eu assisti um filme nesse cinema. O filme só poderia ser  do Mazzaroppi, é claro. Ainda me lembro do título da película… era “A Carrocinha”. Foi muito divertido. Nesse dia foi toda a família… eu, meu pai, minha mãe, meu irmãozinho, minhas tias e meus avós. Realmente, foi uma sessão muito divertida. Cinema na roça era outra coisa…

Quando do episódio do cinema, meus avós haviam se mudado a pouco para a localidade de Eugênio de Melo, em São José dos Campos. Então meu pai foi rever seus amigos de infância que moravam na região. Nossa, caminhar por aquele estradão de terra batida, cercado por todo aquele verde, era simplesmente delicioso. A linha de trem seguia por toda a extensão do vilarejo, e a estação ficava bem próxima da casa que meus avós moravam. Aliás, nesse dia voltamos para São Paulo de trem… foi uma experiência diferente, pois até então a gente só viajava de “Pássaro Marron”…

Viajar de trem era gostoso, mas demorado. Uma viagem que, de ônibus, gastava no máximo duas horas levou bem mais tempo, mas a visão proporcionada durante o trajeto era simplesmente espetacular… o único senão era que os vagões vinham superlotados, pareciam os ônibus urbanos em horário de “rush”… e a gente parou em um lugar bem diferente do que eu estava acostumada… o final da viagem era na estação do Brás, bem longe da Estação da Luz, onde ficava a Rodoviária. Mas o passeio diferente valeu a pena… pelo menos para as crianças, pois creio que os adultos estavam muito cansados para dizer que aproveitaram realmente a viagem…

Afinal, cuidar das malas e ficar de olho em duas crianças pequenas, em um trem lotado, que parava a todo instante… sem considerar que boa parte do percurso ficaram de pé… bom, não era uma tarefa fácil, vamos convir. “Mas porque os adultos ficaram de pé no trem?” Simples… a viagem demorou algumas horas, o vagão era de segunda classe e os adultos simplesmente não conseguiam ficar sentados por muito tempo naqueles bancos de madeira, bem diferentes das poltronas acolchoadas dos ônibus…

Sim, era muito bom viajar para a casa de meus avós… e, quando estávamos em nossa casa, que como eu já disse várias vezes, não era tão diferente assim do lugar em que eles moravam, quando a gente ouvia as notas de “Na Serra da Mantiqueira” nas madrugadas, lembrava das montanhas, riachos e quedas d’água que cercavam a morada de meus avós… e o desejo de voltar ali, caminhando entre as quadras de arroz, voltava forte e firme… mas é claro que se passava um tempo até que pudéssemos visitá-los novamente… 

São sete horas e quinze minutos desta quinta feira linda e ensolarada… o dia promete ser muito gostoso, com uma temperatura amena… nesse momento os termômetros estão marcando 20ºC, mas a previsão é de que chegue aos 29ºC… e pode ser que chova à tarde…

Que Deus derrame sobre nossas cabeças a benção dos Céus e nos conceda a mais bela de todas as quinta feiras que já vivemos… até amanhã, se Deus assim nos permitir…

Autora:

Tania Miranda

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