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terça-feira, 27 de agosto de 2024

Cisne Negro

Em uma casinha de madeira vivia um garoto. Não era um simples garoto, ele era um cisne negro, mas ele não sabia disso. Estou o observando a um tempo, quero entender porque tanta magnificência se prende em uma casa tão pequenina, onde as rachaduras se fazem presentes e onde as ervas daninhas tentam sufocá-lo. Certa vez, no amanhecer do pôr do sol, o vi levantar. Ele estava sentado à beira da cama de costas. As suas penas negras reluziam sob a luz do sol. O cisne, como um ímpeto, se dirigiu à janela do seu quarto, mas não me viu do outro lado da rua a espreitar. Ele se curvou em uma posição confortável na pequena janela, e os meus olhos estavam estupefatos pelo o que estava em evidência, era o mais belo homem-ave. O seu rosto é delicado como uma navalha, perigosa, porém afiada. Vi naquela feição a mais forte das tristezas. Os seus olhos eram vermelhos como sangue e as suas bochechas possuíam curvas de singularidade extrema, afinal, ele era um cisne.

Eu não parava de o observar, e a cada pequeno gesto daquele homem-ave, minha consciência gritava em desespero para eu o ajudasse. Em segundos de devaneios, percebi que o cisne já não estava mais lá. Imediatamente, a ansiedade tomou conta do meu peito. Eu não sei do que ele é capaz, ele é frágil, e eu preciso que ele confie na minha existência. O pânico tomou conta do meu ser e diversos questionamentos rodeavam a minha mente. Como um ímpeto, sentei-me na calçada ali perto, mas não desviava o olhar da casa daquele enorme belo cisne. Algo estranho aconteceu, eu vi vultos e rachaduras surgindo nas paredes da pequena casa de madeira. Novamente a ansiedade surge: onde ele está? Ele está bem? Maldição, isso tem se tornado uma obsessão. De repente, o vi surgir da porta de entrada da sua casa. Maldita casa, como eu queria destruí-la. Talvez o fogo seja a solução, mas se a casa morrer, o garoto também morre. Ele estava bem vestido, parecia um humano de verdade, mas ele não me engana. Ele estava com uma mochila nas costas, provavelmente estava indo estudar. Esse é um detalhe importante, raramente ele falta às aulas, só quando está muito doente psicologicamente.

Ali perto tinha um grupo de garotos, que ao vê-lo, atiraram naquele homem-pássaro palavras de ódio, palavras que não ouso dizer. A raiva tomou o meu peito e queria matá-los, queria defender o garoto de olhos vermelhos. Mas não consigo, eles não me veem. Eu quero, como as ondas agitadas, que o garoto confie em mim. O cisne, como sempre fez, os ignorou e apenas seguiu o seu trajeto. Anoiteceu e o vi retornar. Ele estava mais agitado que o comum. O que teria acontecido para que o deixasse daquele jeito? Eu não tinha a resposta, porque não consegui segui-lo, pois eu estava preso àquela casa. Da janela, o observava escrever algo, movimentos agitados que fazia com lápis. A cada instante que escrevia, novas rachaduras surgiam em sua casa, rachaduras de sangue. Quando terminou de escrever, vi sua casa desmoronar. Corri para ajudá-lo, mas era tarde.

Tinha madeira para todos os lados. Pela primeira vez, vi ele totalmente transformado. Ele completamente cisne.

Seu copo estava ensanguentado e estirado no chão. Imediatamente comecei a chorar. Ao seu lado, estava o papel em que ele estava escrevendo. O que estava escrito eram frases perigosas: dedico essa despedida à minha solidão, pois é através dela que consigo me expressar. Dedico também as mais diversas crises de ansiedade que eu tive, porque eu estava sozinho e quase morto. Estar sozinho não é a melhor opção, mas é uma escolha. Quando começar a ler essa despedida, caro espreitador,   tenha a concepção que forçadamente fui obrigado a expor a minha vida trágica e sem cor. Quero que saiba também, que quero rosas negras e velas vermelhas sobre o meu caixão de pedra, bem como quero que o silêncio prevaleça. Você foi a minha única companhia, caro observador. Hoje, no dia da minha morte, entendo porque eu sou um cisne negro, porque eu sempre me destaco em lugares sem cor. De repente, comecei a desaparecer, pois a minha existência depende do cisne e da casa, mas ele está morto e a casa destruída.

Autor:

Cleberson Martins

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