Essa história de que, no Brasil, o ano só começa depois do carnaval é mesmo verdade! Não se trata de mais uma das muitas “narrativas” – palavra que passou ao uso dos atores do cenário político, para descrever situações inventadas, hipotéticas pelas quais eles pretendem fazer com que você, eu e muitos outros nelas acreditemos, divulgando-as pelos meios de comunicação, que vão dos formais às fake news.
Neste domingo vivemos o ápice da festa popular. Alegria, corpos quase desnudos, máscaras para que uns pareçam o que não são, ou que sejam, sem parecerem, o que realmente são no restante do ano, com fantasias “de rei, ou de pirata ou jardineira”, como figuraram Vinícius e Tom.
Nestes primeiros 50 dias tudo foi festa, batalhas de confete, prolegômenos. O grande baile continuou sendo o da Praça (não confundir com a Praça é Nossa). Alguns poucos mascarados vieram ao proscênio, dançam suas danças do passado, fazendo o que podem para não perder o ritmo, que já não atende aos joelhos enrijecidos. São os mesmos de outrora, todos facilmente identificáveis. As mesmas “narrativas”. Baixa um sentimento de “déjà vu”, como se a Mangueira repetisse o enredo e o samba ancestral, na voz do saudoso Jamelão, coisa boa, mas antiga!
No fundo do palco da Praça há uma miríade de figurantes esperando para se apresentar, o dono do bloco não dá espaço. Ele dança sozinho, com a leveza e a autoconfiança da mais vivida porta-bandeira, ele é a escola inteira…
Salvo alguns, que estão fazendo par com o dono da festa, desbotados mestres-salas, os do fundo compõem o restante do numeroso quadro de ministros do governo que se está a iniciar.
Possivelmente, você não conseguiu identificar o Ministro(a) da Educação e nem sabe resumir qual é a sua proposta para essa fundamental área do governo.
O mesmo ocorrerá para o(a) Ministro(a) da Ciência e Tecnologia, o(a) Ministro(a) da Saúde e o(a) do Esporte, mesmo estando em sua área o futebol, o vôlei e a Fadinha do skate.
E o que dizer dos outros de menor popularidade?
Apliquei esse teste em pessoas da minha convivência, mas deixo de comentar os resultados, experimente você mesmo e não se surpreenda.
Quer ir um pouco mais adiante? Pergunte quem é o Ministro da Indústria e Comércio** e quais os planos que o seu ministério está propondo para recuperar o setor industrial brasileiro que está se dissolvendo, como aquela coisa na água. Parte da resposta vou dar aqui: o Ministro é o Vice-Presidente da República.
Todos esses assuntos deveriam ter sido apresentados como planos de governo nos debates eleitorais. Não o foram, simplesmente, porque não existiam. Os risíveis encontros serviram como arena para chistes e pegadinhas entre candidatos mal preparados.
O cidadão que assiste a pelo menos um jornal televisivo por dia, sabe que há uma disputa enorme entre o presidente Lula e o presidente do Banco Central, Campos Neto, em torno da Selic (taxa de juros) arbitrada por aquele organismo em 13,75%, para evitar que a inflação dispare no país. Não tenho partido na disputa pessoal. Sei que o Congresso Nacional decidiu, em 2021, que o Banco Central deva cuidar da política monetária para impedir que esta seja contaminada pela política, com sua habitual volatilidade, e que a inflação fuja ao controle, como já havia ocorrido outras vezes no país, com os danos conhecidos e amargamente sentidos.
O que percebo da minha modesta torre de observação, nas imediações do Paranoá, é que o presidente quer taxa de juros mais baixas, ainda que isso possa causar mais inflação, para poder botar em prática seus projetos pessoais, a qualquer custo. Por outro lado, o BC tem missão institucional a cumprir e dela não abre mão.
Antes do BC gozar da independência legal mencionada, aí pelos anos, 2009-2016, os governos de então estouraram a economia nacional, gerando enorme crise de liquidez, daí a decisão legislativa de se passar a ter o BC com as características atuais, como, aliás, é a prática na maioria das democracias deste planeta.
Iniciar obras, terminá-las ou não, conceder benefícios sociais à farta, sacar contra as gerações futuras, definindo tarifas irreais para energia e preços subsidiados para combustíveis, limpa currículos, garante popularidade, mas deixa heranças malditas.
O mundo continua caminhando a passos largos no caminho do conhecimento, do desenvolvimento, da eficiência e da produtividade. Não podemos perder tempo com conversas sobre temas pacificados pelos que conhecem os caminhos que levam ao crescimento equilibrado do país.
É hora de descer dos tamanquinhos do protagonismo, cujo horizonte colimado é a continuidade no poder, a qualquer custo.
Quarta-feira de Cinzas o carnaval acaba, o ano começa, é hora de botar o bloco do governo na rua para trabalhar, sem “narrativas”.
Crônicas da Madrugada.
Brasília, fevereiro, 2023.
Autor:
Danilo Sili Borges
Membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA
Diretor de Ciências do Clube de Engenharia de Brasília
** Ganha um picolé de abacaxi quem souber o nome completo do ministério.
Finalmente o ano se inicia… agora é trabalhar e ver se as coisas andam para frente… ótima crônica..