“A infidelidade é como a morte, não admite gradações.” Delphine de Girardin
A partir de uma análise do ramo do Direito das Famílias é possível observar que o adultério não é mais crime no Brasil desde 2005. Porém, a legislação tratou de proteger o cônjuge/companheiro que sofreu com a infidelidade de parceiro, haja visto que quando há uma situação de traição por uma das partes dentro da relação, a pessoa afetada tem direitos perante à lei: ao Divórcio, pois ninguém é obrigado a ficar casado e nem manter vinculo legal contra sua vontade; direito de Exoneração de Alimentos para proteger sua honra; e direito à indenização por Danos Morais pelos impactos na sua vida social e pela repercussão do constrangimento público.
Entretanto, com o mundo globalizado e o acesso aos meios tecnológicos, além da facilidade de comunicação proporcionada pelos aparelhos eletrônicos e redes sociais, como tipificar uma infidelidade que não ocorre de maneira presencial? É possível se proteger da infidelidade cibernética mesmo que não tenha ocorrido nenhum envolvimento carnal entre os adúlteros?
Para responder tais perguntas é preciso relatar a existência de uma tendência errônea de considerar a comunicação virtual como “infidelidade virtual” e o contato físico como, de fato, “adultério”. Segundo a doutrinadora Maria Berenice Dias, essas distinção não encontra respaldo na doutrina tradicional:
“A fidelidade física corresponde à manutenção de relações sexuais exclusivamente com o outro cônjuge. Já a infidelidade moral afronta ao dever de lealdade de cada um dos membros do casal para com o outro, e não está munida de sanção eficiente. De qualquer modo, configuraria injúria grave, por caracterizar desrespeito ao outro cônjuge. Ao menos constitui afronta aos deveres de sinceridade, zelo pelo cônjuge e pela família. Existe é quebra de confiança do dever de lealdade e de respeito, a gerar um sentimento negativo que acaba configurando violação da personalidade do outro.”
De qualquer modo, mesmo que a comunicação por via cibernética seja um espaço privado e individual, a infidelidade que ocorre por meio de troca de mensagens e fotos é algo que fere os relacionamentos monogâmicos e machuca aquele que cumpre seu dever de fidelidade dentro do vínculo amoroso. Assim, a infidelidade virtual é caracterizada por uma infidelidade moral, que apesar de não existir o contato físico, o adultero acaba criando um elo erótico-afetivo com um terceiro, fantasiando sobre interações que tendem a se materializar se houver um oportunidade.
Diante dessa situação, já é possível tipificar tais infrações e achar jurisprudências que atribuem às “webtraições” uma natureza de infidelidade:
“TJDF DIREITO CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES CONJUGAIS – INFIDELIDADE – SEXO VIRTUAL (INTERNET) – COMENTÁRIOS DIFAMATÓRIOS – OFENSA À HONRA SUBJETIVA DO CONJUGE TRAÍDO – DEVER DE INDENIZAR – EXEGESE DOS ARTS. 186 E 1.566 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – PEDIDO JULGADO PRECEDENTE.
[…] Se a traição, por si só, já causa abalo psicológico ao cônjuge traído, tenho que a honra subjetiva da autora foi muito mais agredida, em saber que seu marido, além de traí-la, não a respeitava, fazendo comentários difamatórios quanto à sua vida íntima, perante sua amante, afirma a sentença. As provas foram colhidas pela própria esposa enganada, que descobriu os e-mails arquivados no computador da família. Ela entrou na Justiça com pedido de reparação por danos morais, alegando ofensa à sua honra subjetiva e violação de seu direito à privacidade. Acrescenta que precisou passar por tratamento psicológico, pois acreditava que o marido havia abandonado a família devido a uma crise existencial. Diz que jamais desconfiou da traição, só comprovada depois que ele deixou o lar conjugal. Em sua defesa, o ex-marido alegou invasão de privacidade e pediu a desconsideração dos e-mails como prova da infidelidade. Afirma que não difamou a ex-esposa e que ela mesma denegria sua imagem ao mostrar as correspondências às outras pessoas. Ao analisar a questão, o magistrado desconsiderou a alegação de quebra de sigilo. Para ele, não houve invasão de privacidade porque os e- mails estavam gravados no computador de uso da família e a ex-esposa tinha acesso à senha do acusado. Simples arquivos não estão resguardados pelo sigilo conferido às correspondências, conclui. (Proc. Nº 2005.01.1.118170-3 TJ-DFT TJDF, Sentença proferida pelo Juiz Jansen Fialho de Almeida).
TJSP – Alimentos – Provisórios – Mulher casada – Pendência de separação judicial ajuizada pelo marido – Imputação de conduta desonrosa à esposa, manifestada em infidelidade virtual – Interferência na motivação da tutela emergencial – Mulher, ademais, habilitada para o trabalho – Provisórios negados – Inteligência do artigo 19da Lei Federal nº 6.515/77 – Recurso não provido” (AI 206.044-4).
Logo, se comprovada a existência de dano moral e /ou material, decorrente da infidelidade virtual, cabe aplicação dos princípios da responsabilidade civil, com fundamento no artigo 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Por fim, a infração ao dever de fidelidade enseja o cabimento de indenização por danos morais, em vista dos sentimentos negativos suportados pelo cônjuge inocente. Dessa maneira, mesmo que a infidelidade nas relações não seja algo novo, o Direito das Famílias precisa acompanhar as evoluções tecnológicas e procurar maneiras de proteger os direitos individuais da pessoa dentro da realidade do mundo globalizado.
Autor:
Pedro Henrique Jorge Lima OAB/PA 33.243