Economia do cuidado. Um nome gracioso criado para discutir uma das maiores questões de desigualdade entre homens e mulheres: a atribuição do trabalho doméstico. Historicamente, desde que nos entendemos como seres sociais, a divisão de trabalho entre os sexos já estava determinada. O homem é provedor, enquanto a mulher, cuidadora.
O árduo trabalho doméstico é culturalmente feminino. Somos ensinados, desde a infância, que a mulher cuida porque ama. Ou seja, por amor à sua família, a dona de casa deve lavar, passar, cozinhar, e coordenar a rotina dos filhos, além de assegurar a saúde de todos. Tudo isso, desprovida de remuneração. Configuração essa que permaneceu a mesma até hoje, com esse grupo social profundamente inserido no mercado de trabalho.
Segundo o relatório Tempo de Cuidar, produzido pela Oxfam, todas essas tarefas cotidianas exercidas por mulheres no mundo inteiro somam cerca de 12,5 bilhões de horas por dia. Seu valor real, se remunerado, totalizaria US$ 10,8 trilhões ao ano.
PHD em Ciências Políticas e inspirada por sociólogas como Silvia Federici, Stefanie Schmitt buscava uma forma de usar a tecnologia para sanar esse problema. “A pandemia evidenciou uma situação emergente na nossa sociedade. Enquanto as mulheres que atuavam na informalidade perdiam seu trabalho, elas estavam também cuidando de um número maior de pessoas. Além de sobrecarregadas, estavam sem recursos financeiros. Pensamos, então, em criar uma forma de apoiar aquelas que quisessem ensinar a cuidar pela internet”, diz.
Em parceria com Julie Maciel (COO) e Felipe Moreira (CFO), a profissional fundou a Olhi. Criada em 2021 e acelerada em 2022 pelo InovAtiva Brasil, maior programa de aceleração de startups da América Latina, a startup tem como objetivo a remuneração de pessoas a partir do seu conhecimento de tarefas domésticas – como cozinha, pequenos reparos, cuidado de plantas, parentabilidade, entre diversos outros temas. “São afazeres que parecem simples, mas é comum que tenhamos muitas dúvidas”, complementa Stefanie.
A plataforma oferece uma vitrine para que o usuário consiga encontrar quem procura e marcar uma conversa rápida (15 minutos) para resolver problemas pontuais dentro de casa. “Muitas vezes procuramos vídeos tutoriais na internet mas o modelo da torneira que é utilizado não é o mesmo ou as condições de iluminação para as plantas são diferentes e as dicas não funcionam. Dessa forma, conseguimos contar com orientações personalizadas a um preço acessível, enquanto fortalecemos financeiramente uma comunidade”, afirma Felipe Moreira, apelidado de “expert de tecnologias” da Olhi.
“Queremos ser o primeiro impulso das pessoas quando precisam resolver situações em casa. Assim como automaticamente clicamos no Uber quando buscamos transporte. Nosso aplicativo será a primeira opção para tarefas domésticas”, compara o CFO. Em um ano de empresa, já foram realizados mais de 120 atendimentos e agregados mais de 50 instrutores na base da plataforma.
Para dar o pontapé inicial na base de instrutores, os empreendedores entraram em contato com projetos sociais que representam os mesmos valores defendidos pela Olhi. Mas qualquer pessoa interessada pode se tornar um instrutor. Para isso, precisa apenas se cadastrar no site e aguardar o contato da equipe, que fará uma entrevista para avaliar o grau de conhecimento na área indicada. “A Olhi trabalha com um preço justo tanto para o consumidor quanto para os instrutores. O público que eu busco é exatamente quem está desempregado e precisa de ajuda para melhorar sua imagem para procurar emprego, então a sinergia é perfeita”, diz Edinair Calaça, maquiadora e fotógrafa cadastrada na plataforma.
“Entendemos que a questão da falta de remuneração para a economia do cuidado é muito mais profunda. Precisamos de mudança cultural. Mas podemos iniciar a discussão. Startups têm tudo a ver com ressignificação e seu potencial de crescimento exponencial pode começar a tratar o problema para que eventualmente possamos criar políticas públicas de fato”, finaliza Felipe.
Autora:
Carolina Monteiro