Dona Luzia sabia que mulher prevenida vale por duas, só não sabia que era dessa forma. Trazia consigo a certidão de nascimento, certidão de casamento dos avós, a conta de luz de abril de 1968, etc. Enquanto esperava na fila, conferia os documentos, ensaiou com rigor o que iria dizer e depois sacou da bolsa as palavras cruzadas e a coluna de esportes. Só não estava prevenida para uma coisa. Uma coisa irremediável, imprevisível, imprevinível. Ações da senhora do destino, específicas demais para serem pura coincidência.
-Você não tem direito ao auxílio- disse a atendente.
-Como não? – Bravejou Dona Luzia – Sou viúva, recebo menos de…
-Acha que é a primeira a tentar descolar uns tostões com documentos roubados? Luzia Pereira Santos morreu, inclusive, ontem. – A atendente mostrou o sistema à dona.
-Você já tentou, não sei, pegar essas informações de novo e ver se estão batendo com a anterior?
-Atualizar a página?
-Você que sabe. -Respondeu a dona, quase indiferente. Sabia de seus direitos e necessidades, mas quase não acreditava que sairia dali com o dinheiro. A atendente atualizou a página, e, em questão de segundos, a autópsia era definitiva: Dona Luzia estava morta. Então, o cadáver falou:
-Posso te provar por A mais B que Luzia Pereira está na sua frente!
-Recebo por hora mesmo, então pode começar a falar. – Disse a atendente, sem notar a figura oculta que a observava. Sua chefe indagou, naquele tom irônico e educado que só ela era capaz de fazer:
-Qual é o problema aqui?
-Essa… -A atendente engoliu as palavras. -Não posso confirmar a identidade dessa senhora pois essa consta como falecida.
-Já atualizou a página? Pode ser só um erro.
-Sim.
-Faça de novo.
-Olha, até a página atualizar é capaz dessa aqui estar morta mesmo! – Rapidamente, a atendente pressionou o botão, não que a atualização tenha sido rápida. Alguns segundos mais e era possível verificar: Dona Luzia estava viva. Havia retornado na terceira vez, junto com sua cor. Envergonhada, a atendente preencheu os dados e, com um pouco de cansaço, repetiu:
-Você não tem direito ao auxílio.
Autor:
Leonardo Resende Costa
Excelente crônica, parabéns!!