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domingo, 16 de junho de 2024

A caixa do estacionamento e o jovem pintor

A caixa do estacionamento

Malandro romântico acha que amar uma mulher apenas é trair todas as outras. Ele sabe que se quiser se dar bem, precisa estar comprometido. Às vezes passa meses sozinho, mas é só botar um anel no dedo e começa chover interessada. Aliança funciona como ímã, mas atrai tanto saia como encrenca. Já a mulher de malandro sabe que o cabra é safado mesmo, infiel até a tampa, e dá o troco na mesma moeda, de preferência com outro malandro casado, bem melhor para manter segredo e não armar barraco.

Engana-se quem vê preconceito neste texto e acha que isso só ocorre  na malandragem. Traição acontece em todas as classes sociais. Só mudam o nome e o local do crime. Na malandragem, é rolo ou esquema; na classe média é caso; na alta roda é affair. Mas o babado é o mesmo. Em vez de drive-in, a cena muda para motel, flat, apê e até iate de luxo. Mas em todos os casos, é  chifre mesmo, coisa típica de humanos, que o boi usa de enxerido.

Doralice desconfia que o marido João Gilberto trai. Chega tarde, sempre cansado, não a procura. Ela o seguiu e descobriu que ele esta ciscando em cima da Carolina, a caixa do estacionamento, depois do expediente. Quer uma vingança maligna, mas não o divórcio. E casada com separação de bens, a grana é dele e não quer ficar de mão abanando. Pesquisou e descobriu que Carolina é casada com o Chico, vigia noturno no mesmo estacionamento. Trabalha das 9 às 18 e ele das 22 às 6 da manhã. Só se veem aos domingos, e olha lá. O canalha do João Gilberto pega Carolina na esquina, os pombinhos vão no motel e depois ele deixa a vadia no Metrô.

Ela procurou Chico na saída do trabalho, convenceu-o a tomar café na padaria, ganhou sua confiança e contou sobre o rolo. Disse que Chico devia aplicar um corretivo no safado. Ele cofiou a barba pensativo e respondeu:

  • Dona, se eu der uma coça no cabra, e ele merece, vou ter de chapar a cara da Carolina também. Aí eu perco a esposa de fim de semana e a senhora fica na mão. Deve ter um jeito melhor.
  • Então você não vai fazer nada?
  • Claro que vou, mas pensa. O que falta para mim e para a senhora, sobra pros dois. Eles se divertem enquanto a gente chupa o dedo. Não é justo!
  • Entendi. Sabe, você não é nada mal. A gente pode dar o troco na mesma moeda. É só você vir mais cedo para o trabalho.

O arranjo funcionou muito bem até que um dia João Gilberto e Carolina cruzaram com Doralice e Chico, 2 entrando e 2 saindo do motel. Os homens se estranharam, rosnaram, mas foram contidos pelas mulheres. Doralice falou:

  • Gente, ninguém sabe de nada. Deixa como está. Vamos aproveitar a vida!

Na noite seguinte, João Gilberto chegou em casa tarde e Doralice já dormia. Beijou a testa, ajeitou a coberta e se deitou. Ele estava muito cansado.

O amigo do noivo

As amigas Cintia e Bia se encontraram na cafeteria de um Shopping na zona sul:

– Bia, querida. Que bom te ver! Miga, cê tá linda, mais magra.

– Oi Cintia. Tudo bem com você?

– Nossa, que astral mais down! O que tá pegando?

– Ah migucha. É o Ricardo, meu noivo. Que decepção.

– Para com isso! O Ricardo é o cara mais lindo que você já namorou. Causou inveja nas meninas, sabia? Ele é sensível, sarado, culto, galerista bem sucedido, charme incrível. Vocês estão juntos há meses. Ele praticamente mora no seu apê. O que ele aprontou?

– Pois é migucha, aconteceram coisas. Estou passada.

– Conta tudo miga. Abre seu coraçãozinho. Desabafa.

– Começou do nada, quando o Gustavo apareceu lá em casa. 

– Quem é Gustavo?

– É amigo dele. Tinha ouvido falar mas não conhecia pessoalmente. É um jovem pintor que a Galeria está patrocinando. Muito talentoso.

– O Gustavo deu em cima de você? Ele te ofendeu?

– Não! De modo algum. Ele é gentil, fino, educado.

– Como é esse tal Gustavo? É gato que nem o Ricardo?

– Moreno alto, barba sempre por fazer, barriga tanquinho, lindo sorriso. Na estatura e no visual, lembra o Aston Kutcher. Toca violão e canta muito bem. Tem a voz mansa, pausada e aveludada, que nem o Caetano.

– Para tudo! Já me apaixonei. Quero conhecer! É comprometido? Se bem que isso é o de menos.

– Você não vai querer conhecer. Não vai dar certo.

– Epa, epa. Acho que descobri o que está rolando. Gustavo chegou e o coraçãozinho da miga balançou. Você está em dúvida entre os dois. Acertei?

– Quase. Passou perto.

– Menina, fala logo! Tá me dando nos nervos. Qual é o babado?

– O coraçãozinho balançou, sim, mas foi o do Ricardo. O canalha me dispensou, assumiu o Gustavo e foi morar com ele. Miga, tô passada!

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

10 COMENTÁRIOS

  1. Acredito que os “arranjos” acontecem mais nas classes sociais mais abastadas, mesmo porque o povo mais “humilde” resolve mesmo é na “bala”.???????

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