Quando o sol cuspe suas primeiras luzes douradas no meu jardim,
eu me levanto.
Calço minha pantufa, visto meu roupão e,
vou no quarto de hóspedes espiar Deus dormindo.
Fico ali, entre a porta meia aberta contemplando seu sono profundo.
Às vezes, quando ele está sem coberta,
eu entro devagarinho e cubro- lo,
e depois volto a contemplar seu sono.
Contemplo o MISTÉRIO que habita Nele.
Contemplo a POESIA que habita Nele.
Fecho o restinho da porta e, desço na cozinha para preparar o café da manhã.
Preparo a mesa com xícaras e pires de porcelanas, pão fresquinho que o padeiro sempre deixa no portão bem cedinho, biscoito de açúcar, jarra de suco, manteiga, geléia, leite quente e flores de tulipa para perfumar a mesa.
Às vezes, me surpreendo com as famílias de canarinhos na janela pedindo comida.
Vou no quintal, descasco umas bananas e sacudo uma toalha de farelos de pão e,
em bandos, eles se alimentam.
E eu, contemplo a delicadeza de seus bicos, a delicadeza de seus cantos.
Contemplo o MISTÉRIO que habita Neles.
Contemplo a POESIA que habita Neles.
Ao retornar para dentro, me deparo com Deus sentando na mesa e se servindo.
Eu fico a contemplar ele tomando café.
Contemplo seu jeito manso de servir a xícara com café.
Contemplo a delicadeza de seus lábios na xícara de porcelana.
Contemplo seu jeito delicado de cortar o pão e passar a manteiga.
Contemplo o seu jeito manso de
mastigar o pão.
Contemplo seu silêncio monástico enquanto toma café.
Quando o sino da igreja tange, é a hora mais triste.
Deus vai embora!
Antes dele se despedir de mim, eu desço no jardim e apanho: Amarílis e Azaleias.
Adorno as Amarílis com fita amarela e presenteio Deus.
— Deus, esse é seu!
E as Azaléias, eu adorno com fitas vermelhas e peço para Deus presentear minha mãe.
— Deus, esse é da minha mãe!
E no último badalar do sino da igreja,
Deus abre suas asas e voa num voo sem fim…
E os bandos de pássaros voam atrás…
O meu jardim floresce mais ainda…
Depois que Deus sai,
eu não sou mais o mesmo…
Autor:
Lucas Dolher
Poesia muito bonita.