Inventaram uma palavra nova para, por meio dela, tentar desvalorizar a obra de um artista: NEYMARDEPENDÊNCIA. O que uma parte dos torcedores, autointitulada de progressista, pretende é que a nossa seleção chegue ao hexa sem contar com a excepcionalidade do futebol de Neymar Jr. Escondem esse desejo mesquinho, dizendo: e, se como agora, ele se contundir, “vai dar pra ganhar”. Ao que eu, depois de ver os dois últimos jogos do time de Tite, sem o craque-exceção, afirmo: no sal, no sal das areias escaldantes do deserto. Que me desculpem os nossos demais grandes atletas, do porte dos demais grandes atletas das outras 32 seleções, Neymar está para o Brasil, como Mbappé para França, Lionel Messi para a Argentina, Cristiano Ronaldo para Portugal. Simples assim. Por que motivo, então, torcer contra ele?
Afirmar, com jeito cândido de quem só quer o melhor, que a seleção precisa livrar-se da “neymardependência”, não esconde a divergência político-eleitoral dessa parte dos torcedores com o jogador. Infelizmente esse não é um fato isolado e representa o triste momento que vivemos nas práticas políticas do país.
Com a infeliz contusão do atleta na primeira partida da Copa, surgiram na imprensa especializada chuvas de opiniões calcadas no desejo de que poderemos chegar ao título sem a participação de Neymar. O que fez de tão errado o protagonista atual do nosso futebol para receber até mesmo de personalidades de importância na política nacional tantas manifestações de repúdio? Desculpem-me o termo, mas o sentimento expresso, que instilam em suas falas, é de ódio. Muitos, deixando escapar, a boca-pequena, o desejo de que ele não se recupere para que não receba os louros da vitória, mesmo que isso nos coloque mais distantes da taça.
Brasileiros, que têm caixa para os custos e disponibilidades pessoais, foram ao Catar torcer e aproveitar as emoções de um dos maiores eventos esportivos mundiais, somente comparável às Olimpíadas. Dentre eles está outro artista – este a que me refiro, não é do futebol – mas, considerado como um craque da música, da composição, da poesia, da voz e que tem sabido nos encantar, e ao mundo, por décadas e que foi atingido por ofensas por brasileiros, lá mesmo no estádio e nas ruas do Catar. O que fez Gilberto Gil de tão errado para receber manifestações de ódio, por brasileiros que deveriam o estar saudando ao encontrá-lo, acompanhado da sua esposa Flora, em solo estrangeiro, torcendo pela mesma camisa verde-amarelo?
Gil, Neymar, você, eu, os seus e os meus filhos e todos os seres humanos temos o direito de expressar livremente nossas opiniões, preferências, umas contrárias às outras, pelo que quer que seja, inclusive por opções políticas, e não podemos ser desrespeitados por isso. O verdadeiro valor a ser preservado é a Liberdade, o direito a livre expressão do pensamento, base da grande conquista da civilização, a Democracia. O que se está assistindo é barbárie da pior espécie!
As situações lamentáveis, como as aqui elencadas, não são episódicas no país. Todos de algum modo já a sofremos, na universidade, no trabalho, na família. Elas são a consequência do plantio e cultivo esmerado da intolerância feitos por radicais políticos na consciência do nosso povo por décadas.
“Nós e Eles”, “Nós contra Eles”. Nós os do Bem, eles os do Mal. Pregação por um mundo bicolor, adeus às sete cores do Arco Iris e às incontáveis possibilidades dos arranjos da inteligência para criar soluções e vencer os desafios. Tal como no passado, só nós temos a verdade, só nosso deus é o Deus.
A cada ação uma reação. E chegamos aonde estamos.
Somos todos vítimas ou algozes da estupidez do patrulhamento ideológico, mesmo nós, os cidadãos comuns. Quando os atingidos são protagonistas, como Neymar e Gilberto Gil, tomamos conhecimento dessas agressões violentas ou disfarçadas. E o pior, dependendo da nossa posição de “nós” ou de “eles” em relação a cada um dos atingidos, covardemente concordamos ou repudiamos o fato, num comportamento hipócrita que nos negamos a enxergar.
Avaliemos nossos ídolos pelas obras produzidas por seus talentos específicos: esporte, arte, literatura, ciência. Paremos, e por um minuto, pensemos no sentimento do músico, compositor, cantor, poeta ao ser desfeiteado publicamente pelos seus patrícios. Quanta decepção ele deve ter sentido! Ele, cujas composições e voz entram e levam o prazer e o Brasil por todo os recantos do mundo. Seu erro? Pensar diferente dos que lhe insultam, ter se posicionado por um candidato nas eleições que não agrada aos que os agridem.
E Neymar? Terá ele o direito de escolher, sempre que quiser, os seus candidatos nas eleições e poderá abrir o seu voto, com o nome de quem lhe pareça melhor, apoiando publicamente o da sua preferência, sem que lhe caia o céu sobre a cabeça, tal como é de direito ao artista baiano escolher o seu e a todos nós fazermos o mesmo?
“Bom senso e canja de galinha não fazem mal a ninguém”.
Crônicas da Madrugada.
Autor:
Danilo Sili Borges, membro da Academia Rotária de Letras do DF.ABROL BRASÍLIA.. Brasília – Dez. 2022