Aqueles olhos profundos e grandes, medonhos pelo fato de serem só eles, sozinhos onde deveria ter um rosto. Ele (palpite das pessoas, ninguém sabia seu gênero, já que nem o conheciam) causava nas pessoas a estranha sensação de estarem sendo observadas, e estavam mesmo. Por mais assustador que fosse, sabia falar mesmo sem boca (se tinha, não dava para ver), o som vinha do nada, era arrepiante para qualquer um que escutasse, do mais corajoso ao mais covarde. Uma vez, uma moça foi trabalhar com a faxina da grande casa onde ‘Olhos sem Rosto’ morava, foi lá na inocência, sem saber quem residia naquele lugar, e o que aconteceu foi que, ao limpar a sala principal, viu olhos brilhantes no canto da porta, em uma altura média. Ela percebeu os olhares e perguntou se precisava de algo, respondeu que não, só estava observando, logo voltou ao trabalho e, quando foi para um dos quartos, viu um alguém sentado em uma cadeira, que quando ouviu o barulho dos passos da trabalhadora, virou-se, a moça levou um susto, tinha colo, pescoço, cabeça, cabelos, mas não tinha o rosto.
Olhou para baixo, saiu do quarto, fez a faxina da sala de jantar e, quando já ia sair, viu um envelope que tinha inscrito ”De: Lesocchi Sineface”, abriu e encontrou lá seu pagamento, agradeceu para o nada e saiu. Depois, o nome Lesocchi Sineface pegou, descobriram o nome daquela pessoa, ou o que poderia ser o nome daquela figura. Iam para a casa dele para tentarem ter o relance de seu olhar, mas pararam quando percebiam que ele enxergava a mais profunda área de suas almas, nunca sabiam onde ele estava, só sentiam o olhar perfurocortante. O Ser sempre foi muito só e, como de se esperar, estranhou a quantidade de gente querendo se aproximar, até que gostou de ouvir seu nome ser dito pelas pessoas, teve até esperança de encontar um ‘pseudo-rosto’ para si. Foi a partir daí que as coisas a complicar, Sineface saiu de sua casa para ver o sol e a cidade, que há tanto tempo não via, colocou um sobretudo com a gola levantada, pôs um chapéu que cobria a sua ausência de face, além de levar um óculos escuros e um pano de seda bege, caso precisasse de mais algo para cobrir-se. Saiu pela porta dos fundos de sua casa para não aparentar que era a famosa figura desconhecida, e foi andar pela cidade, fez até compras no mercado principal da cidade, e, após um tempo, voltou para casa. Nunca havia se sentido tão vivo quanto naquele dia, então quis repetir, dessa vez, foi de noite, muito elegante, com uma bela casaca, onde havia posto o broche de uma rosa vermelha que chamava atenção, também usou uma cartola inglesa preta com verniz, que combinava com sua casaca, levou outro pano de seda, dessa vez da cor branca. Saiu de novo pela porta dos fundos, agora sem tanto medo, bem mais confiante e alegre, seu olhar tinha um brilho mais humano impossível, algo bonito de se ver, até admirável. Teve a melhor noite de sua vida, viu gente nova, ouviu sons novos, sentiu texturas novas, dentre tantas outras coisas, fez até ‘amigos’, viu uma moça linda que o viu como alguém, não como um ser ou figura. Foi cortejá-la, passaram um longo tempo conversando, mesmo com a bela seda abaixo dos olhos, ela o enxergou, mas ele temeu sua reação ao ver sua face ausente, então deu a ela seu broche de rosa como um presente, uma doce lembrança do encontro, para ele, inesquecível. Após deixa-la, foi caminhar pela cidade, pelo céu da noite que nunca mais veria novamente e que resultaria em uma gratificante memória melancólica, afinal, é isso que a nostalgia é. Depois de seu passeio, voltou radiante para casa, antes de entrar, observou a lua por um tempo, e, ao adentrar-se, sinalizou um beijo para a lua. Foi para seu quarto, tirou suas vestimentas e pôs um robe de cetim preto, olhou-se no espelho e percebeu que era, sempre seria, não importa a situação ou experiência, somente um par de olhos sem rosto.
Autora:
Layla Azoubel