O campeonato de reclamações do consumidor tem a disputa mais acirrada dos últimos tempos. Bancos, telefonia e TV por assinatura disputam a ponta, com os planos de saúde correndo por fora, mas ainda não é possível apontar um favorito. O cidadão precisa sacar dinheiro, pagar as contas, comunicar-se, divertir-se e quando pinta aquela dorzinha, liga para o Plano de Saúde para agendar consulta, ou melhor, tentar agendar. Aí os problemas começam.
- Alô! É do Plano de Saú…
- Bom dia. Sua ligação é muito importante. Para pagar fatura atrasada, digite 1. Para qualquer outro assunto, agende pelo aplicativo. Fique em casa e só vá ao hospital em caso de coma. Desocupa a linha. Tchau.
O cliente é atendido por chat bot (robô) e não consegue falar com humanos. Tem de baixar o aplicativo, fazer o cadastro, responder 11 perguntas, criar senha com 17 caracteres incluindo algarismos arábicos e romanos, letras maiúsculas e minúsculas, alfabeto cirílico, símbolos e raiz cúbica de número primo. O sistema cai toda hora, jogam o cliente de um setor para outro, descadastram médicos e hospitais sem avisar e cancelam procedimentos. Se alguém consegue abrir a agenda, descobre que só tem data livre daqui a 90 dias, às 7 da manhã, em feriado emendado e em hospital distante, exceto se for particular.
Maruílson chegou cedo ao Hospital Lar e foi barrado na entrada: não usava a máscara CK97 que curiosamente o vigia vende por R$ 12,00. Reciclada. A nova, custa R$18,00. Ele compra a máscara e entra na fila da senha. Na sua vez, pesquisa as opções no tótem e não encontra uma adequada. Escolhe “outros” e aguarda em pé exatos 74 minutos em meio a tosses, gemidos e TV sem som. Dois paramédicos conversavam em voz alta junto à máquina de café e Maruílson, irritado com a demora, vai ao balcão e reclama com a atendente Fabineide:
- Moça, eu já estou aqui há uma hora e meia e…
- Carteirinha do convênio e pedido médico, por favor.
- Não tenho convênio, nem carteirinha. Só vim aqui para…
- Serve a carteira digital. Gere o token por gentileza.
- Moça, eu sou o Maruílson, o cara do RIM. Ainda nem tomei café da manhã!
Ao ouvirem “o cara do rim”, os paramédicos interrompem imediatamente a conversa e acomodaram Maruílson na cadeira de rodas.
- Vamos, senhor, cada minuto é importante. Deixa com a gente, Fabi. É o cada do rim. Não precisa senha, nem carteirinha de convênio.
- Por que a cadeira de rodas?
- Procedimento padrão, senhor. Tenha calma. Está tudo sob controle. O senhor disse que está em jejum, certo? Ótimo. É isso mesmo.
Maruílson é transferido para a maca e antes que possa dizer qualquer coisa recebe máscara de oxigênio, anestésico e apaga. Acorda, não se lembra de nada e não sabe há quanto tempo está ali, mas aquela loira estonteante com lindo sorriso e acentuado decote faz tudo valer a pena.
- Olá. Sou a enfermeira Ester Elisa. Como está se sentindo?
- Um pouco enjoado e com coceira no escapamento. O que aconteceu?
- O enjoo passa logo. É por causa do líquido do contraste. A coceirinha é normal. Consequência da colonoscopia.
- Contraste? Colonoscopia? Eu sou apenas o cara do RIM.
- Ainda bem que percebemos a confusão a tempo.
- Que confusão?
- Seu nome é Maruílson de Sousa, né? Sousa com “S”. Os paramédicos confundiram com Mário Wilson de Souza, com “Z”, doador de rim para o deputado José Ruela. Ele ia pagar R$ 200 mil pelo rim mais um cargo de assessor parlamentar: R$ 15 mil por mês, plano de saúde e aposentadoria integral. Acredita nisso? Seus nomes são parecidos e o senhor disse que era o cara do rim. Daí a confusão.
- Eu vim instalar o RIM – Registro de Informática Médica, software para autenticar receitas on line, mas R$ 200 mil, emprego, R$ 15 mil por mês, plano de saúde e aposentadoria, interessam.
- Lamento, senhor. Os exames complementares revelaram que o deputado não precisa mais de transplante de rim. Os problemas dele eram apenas gases.
- Quase me tiram um rim por causa de gases? Hoje não é meu dia de sorte.
- Não mesmo. Como o senhor não tem convênio, terá de pagar a colonoscopia. Débito ou crédito?