O uso da religião por Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores, sobretudo as igrejas evangélicas, tem gerado incômodo também entre aqueles que fazem parte dessas congregações e que discordam desse posicionamento. Isso fica cada vez mais evidente diante de sucessivos relatos de fiéis que deixam igrejas devido ao assédio eleitoral de cunho religioso.
Reportagem do portal UOL demonstra que, se por um lado a imposição do bolsonarismo por parcela considerável de pastores evangélicos e o fanatismo político-religioso excessivo geraram um apoio consolidado de boa parte desse público ao presidente, por outro tem afastado cada vez mais aqueles que discordam da linha adotada.
Uma vez identificadas como as “ovelhas desgarradas do rebanho”, essas pessoas acabam sendo retiradas das funções que exercem nas igrejas e hostilizadas pelos mais alinhados ao bolsonarismo. “A gente não consegue ir a uma igreja em que não falem de política no fim do culto, em que não demonizem a esquerda”, relatou uma professora evangélica do Rio de Janeiro que pediu ao site para não ter seu nome revelado.
Outra fiel, que também não teve sua identidade revelada, disse ter sido classificada como “não crente” após ter postado mensagem de apoio a Lula nas redes sociais. Demax Sarmento, de Belém, contou que deixou a igreja batista depois de ouvir uma pregação umbilicalmente alinhada ao bolsonarismo. “Era um discurso de medo, comunismo, fechamento de igrejas, aborto e esses temas. Eu me senti coagido dentro da minha própria comunidade”, disse ao site.
Coação religiosa e bolsonarismo
Não há uma legislação própria para tratar do assédio eleitoral em igrejas e se já é difícil punir patrões que coagem empregados, mais difícil parece ser demonstrar (e ter testemunhas) de casos envolvendo a coação no âmbito religioso, seja pela intimidação, seja pelo sentimento que envolve a relação entre fiel e igreja.
Quando presidia o Supremo Tribunal Federal (STF), ainda em 2020, o ministro Edson Fachin, ao relatar um caso que dizia respeito a esse tema, defendeu que fosse criada uma punição eleitoral focada em candidatos que se aproveitassem da religião para influenciar fieis. A tese, no entanto, acabou sendo rejeitada pela maioria da corte.
“O bolsonarismo, ao se espalhar pela sociedade, vem trazendo o desejo de aniquilação da diferença, mesmo entre aqueles que comungam da mesma fé”, escreveu, em artigo publicado em O Estado de S.Paulo, Vinícius do Valle, doutor em Ciência Política pela USP e diretor do Observatório Evangélico.
Ao falar da suscetibilidade das pautas morais e religiosas às fake news, instrumento central para a consolidação do bolsonarismo também nesse segmento, Valle destacou que o uso intenso desse arsenal pode trazer efeitos colaterais: “ao aguçarem tanto fervores religiosos, identidades e emoções, geram também violência – inclusive nas igrejas. E é preciso dizer que, nesse aspecto, não há simetria entre os lados da disputa. Foi o bolsonarismo que trouxe para o entorno de si uma legião de religiosos e, por eles, disseminou a ideia de que o PT, ‘amigo de ditaduras sanguinárias’, fecharia igrejas, obrigaria as crianças a usar banheiros unissex, liberaria o aborto e ameaçaria a integridade das famílias”.
Em entrevista concedida à Deutsch Welle, o pastor Henrique Vieira apontou: “Quando a fé é capturada por uma lógica fundamentalista, ela se torna um projeto de poder e de imposição, não respeita a individualidade e a diversidade, se apropria do Estado, das leis e de políticas públicas. Esse projeto de poder impositivo, perigoso, violento, antilaico e antidemocrático precisa ser derrotado. Esse projeto é o de determinadas lideranças evangélicas hoje”.
(PL)