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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

A condenação de Tiradentes e a responsabilidade penal de empresas

Não é novidade que a responsabilidade em âmbito criminal é aferida pela ótica subjetiva, isto é, só se admite a atribuição de culpabilidade aos sujeitos que cometeram o delito, sendo necessário que se verifique, rigorosamente, a presença do elemento volitivo – intenção – que impulsionou o comportamento ilícito.

Deste ponto de vista extrai-se, naturalmente, a preocupação com a intranscendência de eventual pena aplicada ao agente apontado como autor de uma infração penal o qual, por decorrência lógica da responsabilização subjetiva que incide sobre sua pessoa, deve sofrer a reprimenda de forma individualizada, não sendo admissível que terceiros, estranhos ao contexto delitivo, sejam alvo da repressão estatal.

Este é o sustentáculo do princípio da intranscendência penal, que encontra guarida constitucional no Art. 5º, inciso XLV da Carta Política o qual impõe, sinteticamente, que nenhuma pena passará da pessoa do apenado.

Neste contexto, a preocupação em mitigar os efeitos subjetivos de uma decisão criminal remonta aos tempos imperiais, a fatídico episódio em que Tiradentes fora condenado à forca e executado por traição contra a rainha.

Contudo, a pena aplicada pela coroa não se restringiu, como deveria a luz dos postulados atuais, à pessoa contra a qual foi determinada, mas, ao invés disto, seus parentes foram considerados infames, perdendo propriedades e sendo privados de transitar livremente pela sociedade a que, até então, pertenciam.

Entretanto, apesar do longo lapso temporal decorrido após os marcantes eventos históricos ilustrados, a discussão acerca da intranscendência da pena segue sendo objeto de debate nas Cortes Superiores, inclusive no que tange à responsabilidade criminal de pessoas jurídicas, como pode-se extrair de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp 1.977.172/PR, em que a 3ª Seção do colegiado decidiu que a responsabilidade criminal de empresa incorporada por outra não se transfere pela incorporação.

Nesta linha, argumentou o Ministério Público que os preceitos constitucionais e infraconstitucionais relativos à intranscendência da pena e a extinção da culpabilidade pela morte do agente limitam-se tão somente aos fatos praticados por pessoas naturais, não sendo possível estende-los as infrações de cunho empresarial.

Todavia, acertadamente decidiu a Corte cidadã, ao declarar que a extinção da culpabilidade incide em caso de incorporação de uma empresa por outra, visto que aquela deixa de existir em razão da aquisição societária de uma pela outra, não podendo haver a transcendência de penas aplicadas visto que, em última análise, a empresa incorporada deixa de existir, observando-se, a vista disto, o previsto no Art. 107, inciso I do Código Penal (CP), no que tange à morte do agente.

Não obstante, perdura a discussão acerca dos efeitos secundários ou acessórios da pena os quais, por imperativo constitucional, continuariam transcendendo à pessoa condenada – seja esta natural ou jurídica -, haja vista que o Art. 5º, inciso XLV da Constituição Federal menciona, inclusive, que as obrigações cíveis relativas aos efeitos da pena – aquelas previstas no Art. 91/CP – podem, estas sim, passar da pessoa condenada.

Observa-se, portanto, que partindo-se do pressuposto de que a sociedade incorporadora sucede a incorporada em todos os direitos e obrigações, conforme preceitua o Art. 1.116 do Código Civil, permaneceria a transcendência da responsabilização criminal de uma à outra no que concerne aos efeitos secundários da condenação criminal, sobrevivendo, portanto, as infortunadas consequências da execução de Tiradentes.

Autor:

Leonardo Tajaribe Jr. Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). Conselheiro de Assuntos Jurídicos e Estratégicos da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ).

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