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domingo, 21 de julho de 2024

Salário máximo

A proposta de salário máximo – que tem sido objeto de polêmicas e distorções – consiste simplesmente no estabelecimento de um teto salarial para salários muito elevados.

Deveria ser dispensável afirmar o óbvio, mas o estabelecimento de salário máximo para trabalhadores com baixos salários não tem qualquer fundamento. O fato é que, como observou o economista britânico Simon Wren-Lewis, a discussão sobre a contrapartida necessária do salário mínimo – o salário máximo – ainda parece ser um tabu entre os economistas, mesmo entre aqueles efetivamente preocupados com as assimetrias socio-econômicas provocadas pelo mercado. No entanto, nada tem de insensata a ideia de estabelecer uma tributação elevada o suficiente para inibir ganhos exorbitantes. Como proposta de uma política salarial justa, trata-se simplesmente de concretizar a ideia complementar à ideia de salário mínimo. O combate à extrema pobreza não pode estar dissociado do combate à extrema riqueza e dos mecanismos de concentração de renda.

Vale a pena notar que até relativamente pouco tempo na história havia, nos EUA, uma espécie de política de controle salarial em vigor, não muito diferente do que defendemos como salário máximo.

A proposta tem longa trajetória nos EUA: em 1880, Felix Adler, o filósofo que lideraria a primeira campanha norte-americana contra o trabalho infantil, propôs uma tributação de 100% sobre a renda acima de “certo valor, que seja amplamente suficiente para todos os confortos e verdadeiros refinamentos da vida”. Cerca de 60 anos depois, em 1942, logo após o ataque a Pearl Harbor, Roosevelt pediu ao Congresso a taxação de 100% para renda anual superior a US$25.000 – cerca de US$375.000 hoje – descontados os impostos. Por fim, com Keynes, o governo conseguiu elevar a tributação máxima para 90% sobre a renda, o que se perpetuou por décadas, criando a maior classe média de massa do mundo. O governo Kennedy ajustou-a para 70%, vigorando até o governo Reagan. Se tal política tributária teve efeitos semelhantes ao de um salário máximo, é porque, em termos fiscais, sempre foi muito mais oneroso a uma empresa, nesse período, elevar os ganhos salariais de um executivo (incluindo bônus) do que aumentar o salário de gerentes e empregados subordinados a ele.

Todos sabemos que para reduzir nossa brutal desiguldade econômica, é necessária uma política redistributiva eficaz. Recentemente, também nos EUA, iniciativas de impacto tem surgido. No estado de Rhode Island, por exemplo, deputados estão propondo projetos de lei para conceder benefícios, em contratos governamentais, às empresas que adotarem internamente uma política salarial mais justa, diminuindo a diferença entre o menor e o maior salário. Em Portland, atualmente está em vigor uma sobretaxa para empresas que pagam a seus executivos 100 vezes mais do que seus trabalhadores com salários mais baixos. Outros estados norte-americanos estudam projetos de lei semelhantes.

Em diversos países encontramos iniciativas correlatas. Na França, por exemplo, a ideia tem ganhado força. Na última campanha presidencial em 2022, Jean-Luc Mélenchon (que obteve cerca 22% dos votos) renovou sua proposta de limitar a diferença salarial nas empresas a uma proporção de 1 para 20. Os meios governamentais para isso seriam os mesmos da antiga política norte-americana: pressão fiscal. É bom lembrar que nas empresas estatais (como EDF, Areva, La Poste ou SNCF) a remuneração máxima anual, definida por decreto, é de 450 mil euros, um salário bruto que nunca fica superior a 20 vezes o salário mais baixo. Nas empresas privadas, há forte oposição. Aqueles contrários ao estabelecimento de teto salarial argumentam que “um salário máximo parece violar o princípio da liberdade empresarial e, especialmente, o direito de propriedade. Este direito está garantido às empresas, que podem dispor de seus recursos como bem desejarem.” Trata-se de um argumento não leva em conta atribuições elementares do Estado, que o Estado não deve se ausentar da formulação de instrumentos eficazes e de políticas fiscais para dissuadir as diferenças salariais abusivas, responsáveis pelas enormes desigualdades sociais.

No Brasil, como se sabe, servidores públicos e militares podem acumular rendimentos e receber salários acima do teto salarial previsto em lei, hoje equivalente a R$ 39.200, remuneração de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Se tais distorções necessitam de ampla discussão e revisão, também é necessária encaminhar a discussão sobre política salarial nas empresas privadas. Nossa campanha defende, nesse sentido, uma reforma tributária e salarial abrangente que inclua não apena a tributação progressiva sobre renda, mas a fixação de um salário máximo proporcional (que inclua todos os outros rendimentos), a limitação da diferença entre maior e menor salário em um para 20, a transferência da taxação sobre consumo para taxação sobre renda.

Autor:

Vladimir Safatle

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