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sexta-feira, 4 de julho de 2025

O primeiro mistério

Num mergulho profundo, em águas oceânicas, num ponto onde a luz do sol não toca, surgiu ali uma vida. Fora aquele oceano, por alguma matéria edênica, fecundada com chama ideal, mãe de todos os mistérios.

E ali aquela redoma viva se encontrou protegida e desenvolveu-se. Era assim, um tão último reflexo de uma unidade de vida. Uma potência pura de capacidades irrefreáveis.

Envolta pela água calma e sentimental, ela crescia e organizava-se, enérgica, dia após dia. Multiplicava-se. Deixava, inclusive, com sua toda organização, confundido o caos disperso daquele oceano que, já perdido, não sabia mais o que era seu e que era a outra vida.

Passou-se uma semana e aquela vida se aumentava. Mais outra se foi e tão maior era que, no final da terceira semana, já era matéria pulsante por si mesma. E entre sístoles e diástoles agora era isto: amor em potência, envolto em mais e mais amor. Uma prontidão inapta de sentimentos. Inteiramente potente. Em mais alguns poucos dias, tornou-se uma gota de razão num oceano de sentimentos. E ali sentia-se naquelas águas enquanto tornava-se mais pronta, mais completa.

Foi-se mais algum tempo quando enfim foi deslocada pela correnteza. Foi transladada desde aquele tão interno e profundo lugar onde o mar se esconde, quase às beiras da morada de Netuno, donde, inclusive, pudera uma ou outra vez ouvir sua voz ríspida, para chegar mais perto da luz.

E foi-se o tempo. E era maior aquele ser. Até que alcançou, numa noite em que a luz da lua era a aurora daquele mar, quase a superfície. Por ali aquela vida brincava quando foi envolta no canto suave e doce da Rainha das Águas. E nos mantos azuis daquela tão materna deidade, encontrou com o seu destino. Estava pronta.

E o mar o trouxe à praia. Mas sair daquelas águas foi-lhe uma obrigação dolorosa. Deixar vazia a concha do amor, a ser recolhida solitária pelas águas sentidas e melancólicas, abandonar aquele meio confortável, úmido e quente, doía-lhe. Era o abrigo que estava sendo abandonado. E assim o foi. O mar também se sentiu oco e, numa última tentativa vã de reincorporar aquilo que lhe pertencera, lançou uma onda fraca sobre ele, pois estava também fraco.

E a pequena vida, descoberta pela água, era pura e bela. Formosa feito escultura lapidada por mãos sábias e universalmente conscientes. Era a própria Vênus a sair do mar.

O vento veio lhe acariciar. E tocou leve às suas costas, mostrando-lhe, sem querer, como era frio o mundo, e influo-lhe o peito e disse-lhe “vai e respira agora com os teus pulmões”.

E o pequeno respirou e chorou. E a pouca consciência que tinha, ao reconhecer o que havia deixado para trás, quis chorar por si e pelo oceano. Mas eram tão insuficientes as suas lágrimas, que, muito custosamente, compreendeu que aquele choro não era seu. Era a vida dando-lhe as boas vindas e o mar dizendo-lhe adeus.

Autor:

Marcos Vinícius D’Ambrósio Andrade, acadêmico de medicina. Brasileiro, nascido em Minas Gerais, atualmente residente em Buenos Aires, Argentina. Escritor de crônicas no blog No Cantinho da Prosa. Instagram: “@marcos.mvda”. 10 de agosto de 2022.

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