A atual disputa eleitoral trouxe à tona não apenas a polarização política entre direita e esquerda, mas também levantou o debate quanto a culpabilidade criminal do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Entre a condenação criminal, o trânsito em julgado e a anulação de um processo, conceitos como culpado ou inocente se misturam com definições jurídicas que confundem o leigo, e são utilizadas como meio de manipulação da massa.
Como advogado criminal, de forma técnica, devo dizer que só é considerado culpado quem possui uma sentença condenatória transitada em julgado, ou seja, todas as sentenças e acórdãos condenatórios contra Lula, nunca foram capazes de torná-lo culpado, vez que nunca chegaram a transitar em julgado, contudo, como cidadão, devo indagar sobre qual ótica devemos analisar a responsabilidade criminal do ex- presidente.
Se juridicamente Lula não pode ser considerado culpado, a análise moral e política nos leva a outra conclusão, a qual, para efeito eleitoral, deve preponderar sobre a anulação decretada pelo STF.
A verdade é que dentro do sistema judiciário brasileiro, milhares de culpados não são condenados, tornando-os juridicamente inocentes. Como exemplo ao leitor, posso mencionar o acordo de não persecução penal, conhecido pela abreviação ANPP. Para a realização do ANPP, é obrigatório que o réu confesse a prática criminosa, porém, em razão da natureza do acordo, caso o réu pague uma multa ou realize serviços comunitários, nunca terá sua ficha manchada como de um culpado.
Além da benesse que mantém réus confessos com a ficha limpa, existem ainda diversas estratégias processuais, utilizada tanto por advogados como por réus, que visam justamente preservar a inocência quando a ausência de culpa não é mais sustentável, e não raras vezes há sucesso em seu emprego. Trata-se da prescrição.
A prescrição ocorre quando, decorrido certo lapso de tempo, o Estado perde a pretenção punitiva, ou seja, por ter se passado muito tempo, não se pode mais punir o investigado, tornando inócua a discussão quanto sua culpa. Disso voltamos a pergunta: pode alguém juridicamente inocente, ser moralmente e politicamente culpado? Tenho que a resposta é sim, e quero trazer outro caso que aconteceu recentemente na cidade onde vivo.
Há mais de 20 anos, um sujeito matou friamente sua esposa. Réu confesso do assassinato, fugiu e permaneceu escondido, nunca tendo cumprido um único dia de prisão. Prescrito o crime, sabendo que não mais seria punido, retornou a cidade e abriu um comércio, vivendo como qualquer outro cidadão. Passados alguns meses, o filho órfão de mãe, sabendo que o assassino nunca seria punido pela justiça, tomou uma arma de fogo e se vingou.
Para a justiça, esse filho cometeu um crime, e possivelmente será responsabilizado. Para a sociedade, esse filho fez a justiça que o judiciário foi incapaz de fazer. Casos como este são rotineiros, e revelam a fragilidade do sistema penal brasileiro, bem como a inexatidão dos antecedentes criminais de uma pessoa.
Não se desconhece que muitos inocentes são injustamente condenados, mas após anos trabalhando dentro do sistema penal, também preciso reconhecer a existência de diversos culpados que nunca foram ou serão condenados. Daí a pergunta: Lula é inocente? Juridicamente a resposta é sim, já que a sentença condenatória nunca transitou em julgado, mas com base nos valores de justiça e moral enaltecidos por nossa sociedade, a anulação do processo pelo STF é capaz de eximi-lo da culpa pelos seus crimes? Deixo a resposta para o leitor.
Autor:
Ayrton Perroni Alba