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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Os 2 olhos

Uma história pra lá de mística!

A união entre pessoas de crenças, valores e castas diferentes, ou de famílias rivais, sempre foi vista como inadequada. O problema é que o deus do amor, Cupido para os romanos, Heros, para os gregos, é um tremendo sacana e vive flechando casais que nem deveriam se conhecer. Romeu e Julieta que o digam.

João Saracura, rapaz bonito do Interior, forte sotaque, atlético e bondoso,  apaixonou-se por Alexa de Nassau, bela moça, fina, classuda e culta, cuja família tem parentesco com a casa real da Holanda. João, que achou que Alexa trabalhava na Amazon, tem um grande defeito: não tem pedigree, origem nobre. Além desse detalhe, Maximilian, o pai de Alexa, não vê nele os atributos necessários para integrar sua família, que já foi rica e hoje atrasa o condomínio, Netflix e financiamento imobiliário. Ele quer um genro rico e nobre.

Alexa e Ariana de Orange, sua mãe, pressionaram Maximilian e ele aceitou passar um tempo com o rapaz para conhecê-lo e abençoar a união. A moça “treinou” João para preveni-lo contra eventuais artimanhas do pai, que passou dias bolando planos para afasta-lo de sua única filha.

O primeiro teste foi numa famosa churrascaria. Maximilian foi de Johnny Walker double black como aperitivo enquanto João pediu uma dose de uma certa cachaça e torresminho. O almoço incluiu carnes nobres e sobremesa refinada. Para tristeza de Maximilian, o rapaz saiu-se bem à mesa. Quero ver na hora da conta, pensou, mas o maitre auxiliou-os com as cadeiras para se levantarem e despediu-se com “volte sempre”. O velho viu na carta de bebidas que uma dose da cachaça Anísio Santiago custa o dobro do seu whisky, mas ninguém trouxe a conta.

Agora você vai conhecer minha loja, disse ao rapaz, esperando separar o joio do trigo. João imaginou um estabelecimento comercial, mas eles entraram num local discreto e finamente decorado, com colunas adornadas, muitas cadeiras, púlpito, microfone, aventais e símbolos estranhos decorando as paredes: círculos, livros, compasso, uma grande letra “G” e ferramentas de pedreiro. Uma imagem o intrigou: um olho humano dentro de um triângulo.

Percebendo o espanto, Maximilian disse que era membro da loja maçônica e que o olho no triângulo é “O olho que tudo vê”, também adotado por sociedades secretas como os Illuminati e presente na nota de 1 dólar. Explicou os conceitos básicos e falou sobre os ritual de iniciação na maçonaria. Deixou claro que os critérios de admissão são rigorosos e que sua eventual recusa implicaria no fim do namoro com Alexa. Para ser admitido é preciso ser íntegro, honrado, empreendedor, capaz de assumir responsabilidades, ter bons costumes, boa família etc. Pintou um quadro bem forte para desestimular o rapaz.

Crente de que assustara João o bastante, convidou-o para o happy hour no seu bar predileto. Pediu porções de queijos gordurosos, calabresa com pimenta vermelha, frituras, café e chocolates finos. João acompanhou, porém sem ânimo. Maximilian chegou em casa feliz e disse à esposa que conseguiu assustar o rapaz  com os quesitos para admissão na maçonaria, exigência para ele aprovar o namoro.

  • Ela merece do bom e do melhor e o caipira nem reconheceu os símbolos maçônicos. Será que é alfabetizado? Só fiquei curioso no restaurante. É dos mais caros e ninguém apresentou a conta. Aí tem coisa!
  • Calma Max – disse a esposa. Ele pode ter outros predicados louváveis.
  • Que nada. Falou que o pai foi pedreiro. Tem mãos calejadas. Deve ser trabalhador braçal.
  • E aí papi! Você e o João se deram bem?
  • Seu pai fez de tudo para assusta-lo.

A mãe explicou as travessuras do pai para complicar o relacionamento. Alexa ficou triste e em seguida preocupada, pois João não atendia o telefone. Pela manhã, soube que ele passou a noite no Pronto Socorro. Maximilian não imaginou que o fracote tivesse se assustado tanto assim.

  • Pai, eu devia ter falado sobre o João, mas não quis te influenciar.
  • Bobagem. Já vi que o caipira é fraco. Teve dor de barriga só de pensar no teste de admissão na maçonaria. Olhou feio para os petiscos do bar e comeu sem vontade. Deve ter lavado os pratos para pagar a conta do restaurante. Você precisa arrumar um namorado que ganhe bem e que te sustente. Amor é o de menos. Ele nem falou sobre o emprego. O que ele faz?
  • Ele trabalha com o pai. É seu braço direito.
  • Também é pedreiro?
  • Não, pai. Eles tem uma fazenda com 350 alqueires de soja, outra com 60 mil cabeças de gado de corte e fornecem para a churrascaria onde vocês almoçaram. É um dos sócios. Por isso que não cobraram nada.
  • Poxa, julguei mal. Está aprovado minha filha, mesmo que não queira ingressar na maçonaria.
  • Pai, ele disse que não tem nada contra os rituais maçônicos, princípios e valores. Só tem uma coisa que ele não aprovou.
  • Qual foi?
  • A comida do bar. Disse que não volta lá nunca mais.
  • Nossa! Pensei que tivesse se assustado com o “Olho que tudo vê”.
  • Não, pai. Ele tem hemorroidas e você pediu todas as comidas proibidas. Passou a noite no Pronto Socorro com problemas no “olho que nada vê”!
Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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