Através de pesquisa de observação participante e entrevista estruturada concluída no verão de 2021 percebeu -se o aumento significativo de crianças trabalhando nas praias de Vila Velha nos últimos quatro anos, e muito recentemente, foi possível notar que, existe uma mudança de local na cidade como continuidade da prática do trabalho infantil onde as crianças migraram para bairros com maior concentração de bares em busca de conseguir algum dinheiro oferecendo seus produtos para frequentadores desses locais.
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), instituída pela nº Lei 8.724/1993 (alterada pela Lei nº 12.435/2011), descreve entre outros objetivos do Sistema Único de Assistência Social(SUAS), ” afiançar a vigilância socioassistencial e a garantia de direitos.” Assim sendo tais prerrogativas remetem ao acesso a direitos fundamentais, os quais garantiriam reais seguranças às famílias e aos indivíduos. Lembrando que o Estado é o principal responsável pela operacionalização e financiamento das políticas sociais, e afiançar no contexto “[…] se apresenta na contramão da mera promoção de ações individuais, fragmentadas, benemerentes e focalizadas, que reduzem ao assistencialismo àquilo que é de direito” (MACHADO,2016, p.256).
Atualmente, com baixa visibilidade e do pouco ouvir falar sobre as políticas ou programas de combate ao trabalho infantil, a população local poderá pensar que o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) acabou, mas não. O PETI foi reestruturado em 2014 pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que passou a atuar com Ações Estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (AEPETI), que são apresentadas dentro da gestão de Assistência Social de cada município que oferece o PETI, sendo que as atividades recreativas/socioeducativas acontecem no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos Núcleo Criança e Adolescente (SCFV), onde as crianças e adolescentes possam ser acompanhadas pelos técnicos sociais da própria unidade CRAS( Centro de Referência de Assistência Social) e o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social).
O PETI Assistência Social visa a retirada de crianças e adolescentes, com idade até 16 anos, das práticas do trabalho precoce, com exceção na condição de aprendizes que aos 14 anos sejam devidamente acompanhados além de excluídos de algumas atividades , jornada noturna ou trabalhos insalubres. Entre suas principais ações, se destaca a inclusão de famílias de baixa renda, em programas de transferência de renda e serviços de acompanhamento familiar, focando na erradicação do trabalho infantil.
Um dos fatores que corrobora para a invisibilidade das políticas sociais e a inviabilização de projetos sociais em comunidades carentes e com famílias em situação de riscos ? as quais deveriam estar inseridas no cadastro único para serem assistidas e beneficiadas das políticas sociais promovidas pelo Sistema Único de Assistência Social ? são as recentes transformações ou “deformações” das políticas públicas por assim dizer ,visto que repasses, foram cortados das políticas sociais durante o governo atual, e muitas famílias não conseguem acesso aos programas já existentes. Portanto, o Brasil necessita de dados oficiais atualizados que mostrem o quanto esse cenário foi agravado devido a pandemia e o aumento vertiginoso da fome, que atinge cerca de 33 milhões de pessoas, segundo denúncia sobre o desmonte nas políticas sociais feita por Ariel de Castro Alves, membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente em 12 de junho passado, data em que se comemorou o dia nacional de combate do trabalho infantil.
Com a chegada do inverno, crianças que eram avistadas antes, em dias sol trabalhando nas praias de Vila Velha –ES, vão redesenhando esse preocupante cenário do trabalho infantil local. É comum encontrar crianças vendendo balas, doces, chocolates e amendoins em volta das mesas de bares no município, com um agravante, geralmente sem nenhum acompanhamento de adulto ou familiar responsável, e em horários noturnos. Os bares assim como as praias são lugares onde as crianças ficam expostas e vulneráveis a diversos situações de perigo mas, ainda que acompanhadas de algum familiar, o trabalho infantil é considerado ilegal, no entanto, isso não implica imputar à família a responsabilidade total pela proteção de seus membros. Pelo contrário, a família deve receber condições de exercer a sua capacidade protetiva, o que reforça a responsabilidade do Estado no papel de zelar pela proteção social com vistas à superação de Vulnerabilidades que ameaçam as famílias (BRASIL, 2021a).
Além disso, devido ao contínuo aumento dos preços de alimentos, somados aos altos índices de desempregos, muitas famílias que não conseguem mais prover suas necessidades básicas, continuam permitindo que suas crianças, na maioria residentes nas periferias de Vila Velha ES, trabalhem no verão nas praias, e posteriormente, nas noites frias de inverno a oferecer de mesa em mesa, a venda de algum produto para levar qualquer quantia em dinheiro de volta para casa que ajude suprir as necessidades da família.
Ainda vale ressaltar, a importância da sociedade no combate do trabalho precoce. Uma sociedade séria e comprometida com a dignidade da pessoa humana não deve permitir que prive as crianças de seus direitos, ficando alheia ao trabalho infantil. Nenhum cidadão deveria aceitar com naturalidade que uma criança seja “arrimo de família”, sabendo que na fase adulta, para além de não estar preparada para a vida social e profissional, estará alijada do desenvolvimento social, econômico e político do país
O não convencimento da população de que toda criança deve ser protegida e ter garantido o seu desenvolvimento pleno, torna o combate ao trabalho infantil complexo, podendo afirmar que, não haverá erradicação sem que haja o interesse dos cidadãos em fiscalizar, pressionar governos e formular políticas públicas de redução da pobreza, com a proteção das famílias e das classes mais pobres aliadas às políticas territoriais já existentes para que sejam praticadas, fortalecidas e efetivadas.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Serviços da Proteção Social Especial do SUAS. 2. ed. Brasília. Ministério da Cidadania, 2021a. 132 p.
MACHADO, L. M. O. Seguranças sociais. In: FERNANDES, R.M.C.; HELLMANN, A (org.). Dicionário crítico: política de assistência social no Brasil. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2016. p. 256-59.
https://www.brasildefato.com.br/2022/06/12/dia-de-combate-ao-trabalho-infantil-brasil-tem-recursos-cortados-e-dados-desatualizados
https://www.editorajc.com.br/erradicacao-trabalho-infantil-e-o-papel-cidadao/#:~:text=No%20Brasil2C%20%C3%A9%20ilegal%20o,ou%20ainda%20em%20atividades%20il%C3%ADcitas.
https://ief.com.br/direitos/governo/peti-assistencia-social-2022-como-funciona-cadastro-consulta.html
https://aguaslindasdegoias.go.gov.br/o-peti-nao-acabou-entenda-os-servicos-disponibilizados-pelo-peti/
https://repositorio.flacsoandes.edu.ec/handle/10469/17693
Autora:
Rosana Altina Ramos Maciel, Bacharel em Serviço Social pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) e Mestre em Estado,Governo e Políticas Públicas pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) .
Uma pena que menores sejam submetidos ao trabalho e nenhum orgão competente faça algo contra. Já em outras regiões, quando há crianças trabalhando, todos se mostram contra…