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quarta-feira, 24 de julho de 2024

A banalização da morte

O título desta crônica poderá levar algum leitor a argumentar que nada é mais banal que a morte, afinal todos os seres vivos, dos mais simples, aos mais complexos, os humanos, encerram o seu ciclo de vida dessa forma.

A verdade é que não aceitamos com naturalidade esse fato, e é sobre ele que se constroem filosofias e religiões. Schopenhauer, grande filósofo alemão, descreveu a morte como “a musa da filosofia” no início do século XIX. Sócrates, sobre o mesmo tema, no Período Clássico da civilização grega,   definiu a filosofia como a “preparação para a morte”.

Ao começar a refletir sobre este tema, lembrei-me de um belíssimo texto da saudosa escritora Lya Luft publicado na Revista Veja em 2014, O Ciclo da Vida, que o Google sempre a postos me trouxe novamente às mãos, no qual a autora o aborda a partir de variadas visões, a começar pelo poema, por ela traduzido, da poetisa americana Edna ST. Vincent Millay, Elegia sem música, que mostra seu inconformismo frente à inevitabilidade da morte:

“………..

Na treva da tumba lá se vão, com seu olhar sincero, o riso, o amor;

Vão docemente os belos, os ternos, os bondosos;

Vão-se tranquilamente os inteligentes, os engraçados, os bravos.

Eu sei. Mas não aprovo. E não me conformo.”

Em diálogo com sua netinha, que lhe pergunta a razão de não ter avô, Lya explica ao nível do entendimento da criança “…a vida das pessoas é como a das plantas e dos animais………ou simplesmente se acabam como uma vela se apaga.” E daí lhe surge a ideia do medo que sentimos da morte, segundo cada um, devido a nossa crença. E então, como num lenitivo apaziguador, recorda a frase de Sócrates na hora em que beberia cicuta, condenado a se matar: “Se a morte for um sono sem sonhos, será bom; se for um reencontro com pessoas que amei e se foram, também será bom. Então, não se desesperem tanto”, disse aos discípulos naquela hora final.

O artigo acima comentado, na quase totalidade trata da morte digna, ainda que inevitável, sentida e pranteada. Em apenas um curto parágrafo é feita menção de que “Morrem mais pessoas aqui de morte violenta do que em guerras atuais. A banalização da morte, portanto a desvalorização da vida é espantosa”.

E é por aí que vamos agora pôr o nosso foco.

A insegurança das ruas, praças e qualquer local público desafia os aparelhos policiais de qualquer país, como se tem visto. No Brasil, a questão é absurda.

Após as duas guerras devastadoras travadas na Europa no século passado, com o total estimado de 75 milhões de mortes, vejo-me a considerar a hipótese de uma guerra global pela generalização do conflito Rússia x Ucrânia, os dois países mais extensos da Europa, situação impensada, até há alguns meses.

Tiroteios em massa nos Estados Unidos alcançaram o número de 300, segundo vi na imprensa, por razões como intolerância religiosa, racial ou sem aparente explicação. Naquele país, onde a democracia e o respeito às leis têm sido exemplo para o mundo, tivemos a vergonhosa invasão do Capitólio, com mortes, pela não-aceitação dos resultados das eleições para a presidência da país, apesar de a Justiça ter confirmado em todas as instâncias o resultado das urnas.

Há poucos dias, o ex-premiê japonês Shinzo Abe foi assassinado a tiros por razões até agora (pelo menos para o meu entendimento) não esclarecidas.

Preocupo-me pelo clima irascível que vai assumindo por aqui a campanha eleitoral. O episódio de Foz do Iguaçu é sintomático, como já o foi o atentado ao então candidato Bolsonaro, em 2018.

Os estádios de futebol e suas imediações têm servido de palco para lutas mortais sem outro motivo além das cores diferentes das camisetas.

Dirão alguns leitores que em todos os tempos, a humanidade foi violenta. Guerras, mortes, falta de comiseração, como no tráfico de escravos durante séculos da África para o Novo Mundo com uma incrível mortalidade. Egoísmo, poder, ganância, insensibilidade como no comércio de humanos, por exemplo.

Mas como justificar a violência por si mesma, como a do adolescente, que toma uma arma e mata quem encontra pela frente; ou o que por uma diferença de visão política atira ou esfaqueia o que lhe parece ser um inimigo, e não alguém com uma opinião divergente. Por um nada se elimina uma ou cem vidas.

Qual a origem desse paroxismo? Que matérias ou espíritos maléficos se introduzem no pensamento das pessoas para que não tenham sentimento de empatia pelo próximo? Acreditar como na Idade Média no Demônio?

Sou levado a concordar com os que atribuem a mídia com seus vídeos e programas de violência e mortes e nos jogos eletrônicos, que simulam com grande perfeição à realidade a causa desse estado psíquico desajustado e beligerante.

 A realidade virtual, simulada pelos meios eletrônicos, acaba por induzir os comportamentos reais, afinal esses meios treinam pilotos para irem a guerra e irem em casos reais destruírem e eliminarem instalações inimigas, em guerras reais. Realidade e simulações se confundem. Há que se repensar essas práticas, como entretenimento.

Possivelmente esses meios eletrônicos promovem nas mentes, de forma sistemática, a banalização da morte e levam na sua esteira a desvalorização da vida com todas as consequências que estamos vivenciando.    

Crônicas da Madrugada.

Autor:

Danilo Sili Borges, membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÌLIA. Brasília – Jul. 2022

danilosiliborges@gmail.com

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