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segunda-feira, 22 de julho de 2024

O que somos capazes de fazer…Caso: Valo Grande

O caso do Valo Grande já é de longa data e, para entendê-lo, teremos que fazer um pequeno resgate histórico.

Iguape, a cidade litorânea mais antiga do Brasil, datada de 1538 está localizada no sul do Estado de São Paulo em frente ao Mar de Dentro (também conhecida como Mar Pequeno), ou seja, entre Barra de Icapara e Cananéia-Ilha Comprida (Complexo Estuarino-Lagunar Iguape Cananéia) mas também às margens do rio Ribeira de Iguape.

De 1538 até 1914 Iguape era o porto mais importante no Brasil, lá se escoavam os produtos advindos do Alto Ribeira que vinham transportados através do rio Ribeira. Os principais produtos na época eram o ouro e outros metais, depois o arroz, o chá e só nas últimas décadas a plantação de bananas adquiriu um status de agronegócio. A desativação paulatina do porto se deu, entre outros, ao seu assoreamento mas também devido a construção da Estrada de Ferro Santos-Juquiá (1914), que favoreceu o escoamento dos produtos ao Porto de Santos.

Após percorrer seus 470 km e chegar próximo à Barra do Ribeira, o rio Ribeira de Iguape faz uma grande curva (circundando a cidade Iguape) aumentando a sua extensão em 27 km para lançar, generosamente, as suas águas no mar. Esse fato aliás é primordial para a migração de peixes, entre os quais a manjuba Anchoviella lepidentostole que é uma das espécies de grande valor econômico para a região.

Em 1837, para facilitar o escoamento dos produtos advindos do Ribeira foi solicitado a D.Pedro II a abertura de um canal (4 metros de largura e 2km de extensão), economizando horas de navegação, já que assim, não haveria mais a necessidade de se dar aquela imensa volta, para ter acesso ao porto (via a Barra de Icapara).

Esse canal foi inaugurado em 1855, mas não levaram em conta a força e a velocidade da vazão das águas do Rio Ribeira e em menos de 50 anos, de 4 passou a ter 300 metros de largura. Assim, o pequeno canal virou o chamado Valo Grande.

O que era para beneficiar o escoamento, em pouco tempo, já mostrou as desastrosas consequências, entre as quais o assoreamento do porto e da foz do rio (Barra do Ribeira) e, principalmente, descarregar um grande volume de água doce, dentro do Mar de Dentro, influenciando na salinidade até quase chegar em Cananéia.

Gerou-se uma polêmica muito grande: se fecha o Valo Grande, se deixa aberto, ou se implantar soluções alternativas.

Muitos ensaios foram feitos (de fechamento e abertura) para verificar a melhor situação.

Uma das primeiras tentativas de fechar foi em 1889, quando iniciaram a construção de uma barragem de 110 metros, cuja obra não terminaram e o rio, continuou a desaguar diretamente no Complexo. Pasmem, essa situação se estende até os dias de hoje, ou seja: o Valo Grade continua aberto!

Uma das ideias mais práticas e inteligentes foi a proposta do Prof. Assis Ab´Saber. Ele propôs construir uma barragem e uma ponte por cima da barragem, para ligar os bairros com a cidade. Para tal, deveria ser definida uma cota que deixasse passar água, somente quando em caso de chuvas extremas, daí a água do Rio Ribeira passaria por cima da barragem (devidamente fortificada). Não haveria necessidade de operações especiais ou mão de obra para abrir ou fechar qualquer válvula ou comporta, pois a água simplesmente e naturalmente passaria por cima da barragem, após um determinado nível e os contatos com os bairros não seriam interrompidos, devido à ponte.

Nesses casos extremos, a água do rio Ribeira inundaria temporariamente o Mar de Dentro, mas no resto do ano, o rio seguiria seu curso natural, ou seja, desaguaria no mar, na altura da Barra do Ribeira.

Essa inundação temporária de água doce no Mar de Dentro causaria impactos no Complexo, mas, contar-se-ia também com a elasticidade do ambiente (capacidade de se recuperar após um breve impacto) e, em pouco tempo, o equilíbrio ambiental estaria reestabelecido e, principalmente o manguezal e as gamboas, com todo seus serviços ecossistêmicos, estaria equilibrado.

Prof.Assis alertou que, essa proposta somente era viável se fosse feita, concomitantemente, o desassoreamento da foz do rio, viabilizando-se assim o fluxo da água e evitando inundações das margens, dos bairros e das plantações de bananas que foram se instalando nas margens ao longo do tempo.

Segundo Prof Ab´Saber, essa era a solução ideal perante a situação caótica e empírica instalada desde 1855.

Um fato significativo é que, tendo as águas na sua trajetória original, favorece-se também os peixes, como a manjuba e as tainhas entre outrasespécies, para subirem o rio Ribeira de Iguape e desovar (enfatiza-se aqui a importância econômica e social desse

fenômeno de piracema). Outro fato, igualmente relevante é que, os contaminantes advindos de montante (entre os quais o chumbo), não contaminariam o Mar de Dentro, ambiente mais restrito e fechado no qual a pesca é significativa e inclusive, em Cananéia, onde se tem criação de ostras.

Mas, passaram se longos anos e o impasse ainda persiste.

Hoje os manguezais no Mar de Dentro (trecho entre Iguape e Cananéia) mas principalmente perto de Iguape estão se degradando, não só pelo aporte significativo de agua doce, mas também pela instalação de macrófitas e outras plantas típicas de ambientes menos salinos. O mais grave é que esses fatores diminuem a elasticidade do ecossistema que, consequentemente, perde importantes serviços ecossistêmicos.

Foto de uma área de manguezal. Fonte: Mar sem fim. Iguape

O que deveria e o que ainda pode ser feito?

Não existem soluções fáceis e nem pouco onerosas, mas pode-se começar por resgatar a brilhante ideia de Prof Assis, um dos cientistas mais comprometidos como o meio ambiente. Cabe também um estudo científico (com uma visão prática) de uma avaliação de valores/custos ou seja: quanto que o ambiente e a questão social perdem e/ou ganham em cada cenário.

Qual vai ser a vantagem econômica (pautado fortemente na social) dos pescadores? Vai promover ou prejudicar a piracema? E para as ostras e os outros organismos aquáticos? Vai permitir a integridade das gamboas (local propício para o desenvolvimento inicial dos alevinos das tainhas)? Quais as vantagens para a navegação? E o turismo? E a plantação de bananas? Enfim, essas e muitas outras questões devem ser consideradas

Não é um assunto fácil, pois os interesses são muitos e diversos (e muitos nem consideram a questão dos serviços ecossistêmicos), mas, com certeza, existe um fato: se nada for feito, podemos condenar os manguezais, a pesca e consequentemente o turismo, com reflexos desastrosos para a questão social.

Embora seja uma visão fatalista (mas não simplista) o ambiente aguarda a muito tempo uma solução sapiente.

Cabe aqui, a nós biólogos, geógrafos, geólogos, oceanógrafos, turismólogos e todos os que (acham) entendem do meio ambiente e, principalmente os que querem que seja viável um desenvolvimento sustentável, fazer com que essa situação seja sanada.

Devemos usar a nossa “sapiência”. Sermos inteligentes e holísticos com o que ocorre no rio Ribeira e no Complexo Estuarino-Lagunar Iguape Cananéia.

Autor:

Prof. Biólogo Geraldo G.J.Eysink
Sugestão ou criticas Email: geraldo@hc2solucoes.com.br Junho de 2022

1 COMENTÁRIO

  1. Ótimo texto. Estamos produzindo um documentário no sul do Brasil sobre o Canal do Linguado, que está fechado há mais de 80 anos, e tem trazido consequências para o meio ambiente e as famílias de pescadores, além do turismo.
    Vamos usar o Canal do Valo Grande como um exemplo de que não devemos reabrir o Canal do Linguado sem um estudo detalhado das consequências que pode trazer às margens e às cidades que ficam na foz. Esses estudos estão sendo realizados, e logo teremos os resultados.
    Temos que cuidar para que o preço do progresso não seja o meio ambiente.

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