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terça-feira, 23 de julho de 2024

A roseira

Havia à margem de um rio de correnteza leve, mas constante, uma roseira. Era um bosque cheio de árvores, por onde a luz do sol passava quase que lentamente e iluminava feliz aquelas vidas. Às beiras do rio, viviam animais de todos os tipos. As abelhas passavam de flor em flor, as borboletas vagavam por ali, inclusive havia coelhos, e um cheiro calmo das essências do campo, como se convidasse a quem ali estivesse para sentar-se e apenas sentir a vida.

O rio, ocupadamente real, fluía. E um som baixinho de água corrente fazia-se ali.

Carregava ele a matéria daquele bosque e era igualmente a sua fonte de vida. Se chovia, o rio ficava mais cheio, mais barulhento, mais vivo. Se chovia, o bosque inteiro sentia-se mais conhecedor de si mesmo, quase mais farto, quase mais real.

E a vida mais deslumbrante daquele lugar era uma roseira que se encontrava à margem esquerda do rio, logo antes de um pequeno desnível da água que a fazia escorrer em queda e lhe proporcionava, em meio às pedras, um som inebriante aos ouvidos de quem se dispunha a ouví-lo.

A roseira, sim, tinha também seus mistérios. Recebia diretamente alguns raios solares sobre si, e era grande; devia contar com uns treze ramos grossos que se estendiam por mais de um metro cada e, de cada, havia ainda as suas ramificações. E ela era assim; linda, simpática e perfeita: excessivamente ideal.

A roseira floriu. Flores que lhe brotaram quase como desenhos pintados meticulosamente à mão. Eram sete flores que nasceram. Todas vermelhas. Todas como sangue. O vento brincava com elas, o sol era seu amigo, as borboletas, as suas companheiras. A vida curvava-se diante delas e rogava ao tempo para que esse passasse mais vagarosamente para deixar que elas fossem meninas por mais tempo.

Mas isso não houve

Como quando o coração bate mais forte no susto porque encontrou-se, a natureza por um momento viu-se também. A flor senesceu no dia seguinte. A infância, embora despreocupada, não dura mais que uma tarde de primavera. E, passada a noite, quando Zéfiro a chamou para brincar pela manhã, a pequena flor já estava madura. O tempo tocou a pétala macia e desprendeu-a. A roseira assustou-se também porque viu a clepsidra escorrer, porque viu a sua pétala indo embora. Mas como não podia tentar nada contra o deus maior do bosque, deixou ir o seu fruto, deixou-o passar e amadurecer, afinal como mãe já tinha feito todo o possível e ofertado o conforto de ficar.

A pétala que voa, voa livre, voa na essência de si mesmo e toca leve à água macia do rio corrente. E ali ela deitou-se e fez-se água, fez-se de rio, fez-se real. Aquele encontro marcou o momento mais sublime daquela existência, porque tornou real aquela parte perfeita. O delicado toque, contudo, da pétala com a água reverberou em todo o sistema. Por mais sutil que fosse esse encontro, ondas concêntricas saíram do local do ato e se espalharam, chegando até as duas margens do rio. O simplesmente encontrar-se causou tal perturbação, agitou toda a superfície daquele rio a delicada pétala. E, como era a ocupação do rio, esse tomou aquela existência para si e a carregou para a vida à frente. Todo o bosque sentiu-se um pouco mais vivo, porque enfim, há o rio que flui, há a vida e, sobretudo, há o bosque.

Autor:

Marcos Vinícius D’Ambrósio Andrade

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