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terça-feira, 23 de julho de 2024

SAFs: o mercado das pechinchas

Antes de iniciar o tema da crônica, preciso abordar a final da Supercopa ocorrida no último final de semana. O jogo foi um verdadeiro teste para cardíacos. Os torcedores do Atlético Mineiro e do Flamengo que acordaram vivos e sem sequelas na segunda-feira, certamente estão com os seus corações perfeitos e as gargantas em ordem.

A denominada abertura da temporada para as disputas nacionais foi em grande estilo, como já havia ocorrido no ano anterior. Em 2021, Flamengo e Palmeiras também realizaram um jogo empolgante em Brasília. O placar final também foi 2X2 e, naquela oportunidade, o Palmeiras teve duas cobranças de pênaltis que lhe poderiam ter dado o título. Perderam e a taça ficou com a equipe carioca. 

No domingo, o enredo foi parecido. Os dois clubes também realizaram um confronto eletrizante no tempo normal. Apesar do calor que caracteriza a capital mato-grossense, a partida foi muito movimentada. O clube carioca foi levemente superior ao seu adversário no primeiro tempo. Ambos pressionavam a saída de bola do adversário, mas o Flamengo conseguiu se aproveitar melhor dos erros do Galo, levou mais perigo ao seu oponente, contudo pecou nas finalizações. Quem não faz leva, é uma máxima do futebol. O clube mineiro criou menos, mas não perdoou quando ocorreu a principal falha de seu adversário. Nacho Fernández aproveitou-se do vacilo do jovem Hugo Souza, goleiro do Flamengo, e marcou após o rebote do chute de Arana.

A intensidade do jogo não caiu no segundo tempo. O rubro-negro continuou um pouco melhor e conseguiu virar o jogo. Com a desvantagem no placar o Galo partiu para o ataque. Hulk ajeitou a bola escorada por Vargas e chutou forte para empatar o marcador. Novas chances foram criadas, mas a partida se encaminhou para as penalidades máximas. Os batedores foram perfeitos nas série de cinco cobranças. Nas alternadas, os erros apareceram e o Flamengo teve 4 oportunidades, desperdiçadas, para conquistar o tricampeonato. Como todos os atletas já haviam realizado suas cobranças, Hulk abriu a nova série com uma cobrança perfeita. Pelo Flamengo, Vitinho desperdiçou. O título foi para Minas Gerais e os 5 milhões de reais engordaram os cofres do Galo.

Pelo segundo ano consecutivo assistimos um jogo de alto nível técnico, muito disputado, ofensivo e emocionante. Me atrevo a afirmar que, no que se refere à qualidade do futebol, que as duas últimas finais da Supercopa foram tecnicamente muito superiores as duas finais da Libertadores. Talvez, por se tratar de um campeonato de envergadura infinitamente menor, os rivais atuem mais soltos e de forma mais ofensiva. Logicamente podemos levantar outras razões que, certamente, contam parte da história, mas entendo que a hipótese aqui construída pode ter sua validade.

Durante a semana, o Vasco da Gama anunciou que também deve se transformar em SAF (Sociedade Anônima do Futebol), uma modalidade de gestão que parece estar virando moda no país, particularmente nos clubes que se encontram abaixo do fundo do poço. As gestões irresponsáveis, desonestas e incompetentes levaram inúmeros clubes tradicionais do futebol brasileiro, como Botafogo, Cruzeiro, Vasco, Santa Cruz, entre outros, ao estrangulamento financeiro, o que pode acarretar até mesmo o fim destas instituições. Cruzeiro e Botafogo, por exemplo, foram adquiridos em troca de investimentos da ordem de 400 milhões de reais. O Vasco, segundo anunciado pela imprensa, terá um aporte de recursos de 700 milhões e ainda receberá investimentos para reformar São Januário.

Além dos investimentos, os novos proprietários também terão que gerenciar as dívidas, uma vez que a lei da SAF prevê que ao menos 20% das receitas sejam destinadas ao pagamento dos débitos. Botafogo e Cruzeiro devem, cada um deles, aproximadamente 1 bilhão de reais e o Vasco “apenas” 800 milhões de reais.

Os valores parecem elevados. No entanto, são verdadeiras pechinchas para o mercado do futebol. Com o intuito de facilitar a análise, vamos realizar algumas simplificações. Vamos deixar de fora as dívidas e levar em conta somente os valores prometidos para os investimentos e, apesar de serem parcelados, para as nossas contas eles entrarão de uma única vez. Mas, lembre-se, o parcelamento acrescido da provável continuidade da desvalorização cambial significará, em dólares, valores ainda menores a cada ano.

Adquirir uma marca tradicional por 400 milhões de reais pode parecer, para nós, simples mortais, muito dinheiro. Mas, vejamos em dólares. Pensando em uma taxa de câmbio em que um dólar equivale a cinco reais, o que é até um pouco otimista, os clubes foram adquiridos em troca de investimentos de 80 milhões de dólares. Ou seja, o executivo norte-americano, John Textor, que adquiriu o Botafogo compraria o goleiro brasileiro Alisson que custou aproximadamente esse valor quando foi vendido da Roma para o Liverpool. O Barcelona, há quase dez anos, comprou o Neymar do Santos por um pouco mais de 100 milhões de dólares. Enfim, os investimentos representam a aquisição de um bom jogador no mercado europeu.

Ao contrário do ufanismo que sempre permeou os nossos discursos, somos um país pobre, com a renda historicamente muito mal distribuída, uma economia fortemente baseada na agro exportação e que, a cada ano, vê deteriorar-se os termos de troca, ou seja, precisamos exportar quantidades crescentes de produtos primários para saldar nossas importações. Os mercantilistas, ainda no século XV, já afirmavam o caráter nefasto de tal proposta econômica.

Sendo assim, espero que os meus leitores me perdoem pela comparação grosseira que farei a partir de agora. Se dividíssemos o mundo a partir de níveis de prostituição, grande parte dos nossos clubes de futebol, pelo descaso, incompetência e desonestidade dos dirigentes, não seriam prostitutos ou prostituas de luxo. Literalmente com o “pires nas mãos”, estaríamos nas beiras de estradas, sofrendo todos os tipos de abusos, de violências e aceitando, como se fossem salvadoras, as migalhas que nos são oferecidas.

Quero deixar claro que não sou contra as SAFs, contra as vendas dos clubes e dos investimentos que serão realizados. Só não posso transformar em deuses os empresários que, sabiamente, percebem existir um bom e barato mercado para eles explorarem. Para os clubes que se encontram financeiramente estruturados e viáveis, fica o alerta. Mantenham em ordem suas finanças e valorizem um dos seus principais ativos, os torcedores, para que não se vejam como Vasco, Botafogo e Cruzeiro na beira da estrada e entregando, em prol de sua própria sobrevivência, suas marcas, suas tradições por um punhado de trocados muito bem-vindos, mas ainda assim, um punhado de trocados.

Autor:

Luiz Henrique Borges

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