16.4 C
São Paulo
segunda-feira, 22 de julho de 2024

Íntimo

A mesa era de madeira. Antiga. Madeira escura. Ficava ao lado da estante, de frente para o sofá, naquela sala tão aconchegante. Uma lâmpada amarela iluminava por sobre a mesa algumas revistas que repousavam nela. Nela que esteve ali por muito tempo. Talvez fosse dos anos 40, tinha uma robustez dessa época, e marcas que lhe ornamentavam como se fosse digna de museu. Porque era digna mesmo de museu. Ouvira diversas conversas, ela, sobre suas cores e formas. Fora o apoio de muitos copos, livros e amores. Já fora mesa de centro. Agora era de canto. Mas era mesa.

Talvez ela se questionasse se realmente tinha quatro pernas, mas se recuperava rapidamente de suas dúvidas existenciais quando alguém apoiava nela qualquer sentimento. Era mesa, afinal. Devia aguentar suportar até as angústias. E aguentava, firme, sem titubear.

Seu dono, todavia, confiava mais nela que em si mesmo. Se ela tinha quatro pernas e era mesa, seria mais resistente que ele para suportá-lo, pensava o proprietário. Quando a noite era fria, ele subia na mesa e não descia mais. Até mesmo se confundia e, às vezes, achava mais confortável sentar-se na mesa do que no sofá.

Mas confiou demais. Ele que já vinha, há tempos, desde que a conhecera, deixando que ela segurasse aquilo que era o mais íntimo dele; esperou que ela acomodaria a todos seus sentimentos. E eles nem eram tão pesados, eram apenas cegos. Não adiantou. Ela se quebrou. Não aguentou a carga de carregar os sentimentos do outro, afinal era mesa.

Descobriu então que mesa não servia para apoiar aquilo que se tem medo de sentir. Consertada, arrumou-lhe outra função: trouxe um vaso de flores e o pôs em cima dela. Agora ela se sentia um pouco enciumada. Olhavam para as flores, não para ela. Mas afinal, era mesa; cumpria sua função.

O mais feliz foi quando, numa quarta-feira à noite, segurou uma taça de vinho. Ouvia a música ambiente, sentia o conforto, a preguiça da noite e a pequena apreensão do seu dono que recebia na sala um alguém especial. Era especial tudo naquela noite, inclusive a mesa.

Autor:

Marcos Vinícius D’Ambrósio Andrade

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio