21.3 C
São Paulo
quarta-feira, 24 de julho de 2024

Cerca – elétrica – evolução ou regressão?

A grande marca do início deste terceiro milênio está sendo a infiltração dessas novas tecnologias que já se instalaram de maneira tão geral que chega a ser um absurdo encontrar alguém desprovido de suas utilidades. Dentre tão revolucionárias invenções, uma é de se questionar, não quanto à eficácia, mas quanto ao que representa.

Estava dando uma volta pelo bairro e, ao reparar as casas da vizinhança, percebo o quão natural está o uso da cerca – elétrica em cima dos muros e portões. Já são ruas inteiras dominadas pelos araminhos que dão choque em cima das residências. Algo que até pouco tempo atrás era tido como assessório nobre, tornou-se tão popular a ponto de causar estranheza a sua ausência. Isso, em se tratando de bairros da classe média ou mais elitizados, claro. O restante são os possíveis invasores.

Não tinha como não indagar: Seria mesmo esse assessório algo tão relevante a ponto de todos cederem ao seu uso? Qual seria, então, a justificativa? Ora, em se tratando de um assessório preventivo da violência, acho que fica meio claro o porquê de estar infiltrado em quase toda a sociedade.

Uma invenção maravilhosa: Se alguém tentar invadir sua residência, não obterá êxito, porque ao encostar numa linha desses araminhos elétricos, será vítima de uma descarga elétrica tão poderosa que o deixará zonzo e dolorido, se obrigando a desistir do crime que pensara em cometer. Maravilha! Agora sim chegamos na era da segurança máxima. Ou seria o contrário? Vamos fazer um panorama histórico:

Na época dos meus pais, as casas eram desprovidas de muros e portões. Os quintais e varanda se entrelaçavam, sem a necessidade de se viver em cárcere privado. Até que descobriram que podia se separar o terreno com a adesão do muro. Legal, isso divide os terrenos e deixa mais claro a propriedade da qual cada um tem direito. Não bastasse o advento dos muros e portões, estes foram aumentando a ponto de algumas casas de família se equipararem a pequenos prédios. Logo depois chegamos na modernidade e suas fantásticas invenções. Inventaram então, as linhas de choque que mais parecem varais estendidos em cima dos muros e portões. Viram como evoluímos? Acho que a banalização da violência chegou a seu ápice.

Qual será o próximo passo? Daqui algum tempo, teremos de colocar assessórios de segurança na porta de cada cômodo da casa. Ou, abriremos novos empregos, como o de segurança doméstica, também popularizado. Ora, não seria mais fácil se os Senhores Administradores, ao invés de se adequarem ao sistema, se protegendo também da violência com o dinheiro público, tomassem medidas realmente eficazes no combate dela? Não a nível de remédio, mas a nível de vacina preventiva. Arrancar o problema pela raiz, levando a sério a brincadeira de administrar o país. Fornecendo educação, saúde, trabalho e segurança da maneira que se deve e aplicando com respeito aos contribuintes, as receitas dos caros impostos obtidos.

E onde está a proteção do Estado ao direito de propriedade? O assunto é muito maior do que se pensa. A cerca – elétrica não se trata de um simples objeto de proteção, mas sim de uma aceitação das condições da sociedade em que estamos vivendo, a era da verdadeira “revolução” criminal.

Outro dia fui a uma conveniência a fim de comprar algo para beber, por volta das 23:00 horas e me deparo com as portas trancadas e a atendente abre uma janelinha de aproximadamente 40 cm² para efetuar o negócio. Como se não bastasse o espaço minúsculo para o atendimento, ainda preenchido por grades dignas de uma penitenciária, assustou-me a expressão facial de medo da funcionária, que fez com que eu me sentisse uma das criaturas mais perigosas da cidade.

Estamos nos adaptando cada dia mais a essas novas invenções preventivas, como reflexo da banalização da violência. Ao nos acostumarmos com essa falta de proteção do Estado, surgem cada dia mais mecanismos de defesa, que nos induzem a gastar cada dia mais grana com acessórios. Ah, claro, não tinha como fugir do capitalismo selvagem que sempre está por de trás de tudo.

O que ocorre com o não cumprimento do dever que o Estado tem de garantir um dos direitos constitucionais fundamentais que é a proteção e a segurança da nação? A privatização desse serviço, é claro. Assim como de praticamente todas as funções que o Estado desempenha, onde entra previdência, saúde, educação dentre outros. Segurança é apenas mais uma modalidade de comércio que surge: Equipamentos de proteção do seu lar, do seu carro, do seu escritório e por ai vai. Comércio desnecessário que apenas existe pela incompetência do Estado no desempenho de seu papel. Para se ver até que ponto a corrupção pode chegar.

Para o Direito Penal, este tipo de defesa é chamado de Ofendículo. Ridiculo, diria eu. O que antes era opcional ou luxuoso de se consumir se torna, então, uma necessidade básica, tão vital quanto à alimentação. Se continuarmos “evoluindo” desse jeito, muito em breve a cerca elétrica não estará apenas nos muros e portões, mas sim na parte interna das residências e viraremos reféns dentro de nossos próprios lares, com medo da Guerra externa que se tornam as ruas de um país em que a defesa de seus cidadãos, simplesmente não funciona.

Autor:

Rafael Pereira Otano Peixoto

1 COMENTÁRIO

  1. Ótima análise… ao meu ver uma regressão, visto que o ser humano deveria ficar em seu lugar, ao invés de nós termos de encher tudo de cerca para prevenir furtos e outros problemas..

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio