A ASSOCIAÇÂO DOS AMIGOS DOS AUTISTAS DO DISTRITO FEDERAL é uma ONG que presta apoio aos autistas severos e suas famílias há décadas, apoiando principalmente aquelas com recursos limitados.
A mais nobre característica da civilização humana é o não descarte por abandono ou assassinato (piedoso) de seus membros com deficiências congênitas, adquiridas, velhice ou por causas quaisquer que os impeçam da manutenção própria ou de acompanhar o grupo tornando-os custosos para a comunidade. Mais que leis, códigos morais e prescrições religiosas, tem sido a conduta humana que desenvolveu, ao largo dos milênios, a empatia, o sentimento de sentir pelo outro, que garante o comportamento esperado do cidadão.
A mais difícil tarefa do cronista é a escolha do tema para o texto periódico. Juntava, eu, os dados para esta semana comentar os desvios da educação superior no Brasil, em grande parte mercantilizada por oligopólios, a maioria, internacionais. Comparava esse triste modelo com o tão vilipendiado das Universidades Públicas, movido, talvez, pelo orgulho da notícia que me dava minha única neta, Ana Paula, que acabava de receber o Grau de Mestre pela UnB, instituição pela qual nutro o amor e o respeito por termos caminhados juntos, trocando experiências, a Universidade e eu, em nossas jovens idades, quando recebi, pelo WhatsApp, mensagem de amiga leitora, docente da mesma UnB, que encaminhava angustiado texto da presidente da AMA-DF, relatando a situação que a entidade está passando.
Não tenho espaço para transcrever na integra a manifestação de Dona Gisele Montenegro, mãe de um dos assistidos e presidente da instituição. Mas, vou deixar aqui as partes que me pareceram mais significativas do seu apelo.
“Venho neste post, não como presidente da AMA, mas como MÃE.
Sou Mãe de um autista severo, com quase 30 anos, e que depende de mim para todas as tarefas do seu cotidiano.
Todo o AVANÇO obtido durante a maior parte do tempo de vida do meu filho, e de outros autistas foi conquistado com a ajuda da AMA-DF, lugar que identificamos como a NOSSA 2ª CASA, NOSSO ESPAÇO, enfim, NOSSO PORTO SEGURO.
São mais de 35 anos ocupando um espaço físico cedido pelo Governo do Distrito Federal.
Infelizmente, desde 2018 atuamos para sensibilizar o GDF a não nos retirar do espaço que ocupamos ao longo desse tempo, mas simplesmente não há sensibilidade para o tema do autismo severo. Assim, o GDF decidiu de forma definitiva que devemos desocupar nosso espaço.
O dia 31 de janeiro de 2022 ficará marcado como a data em que o Governo do Distrito Federal selou o nosso destino e determinou a desocupação do prédio que ocupamos.
São 300 metros quadrados num imenso terreno de 1 milhão e cem mil metros quadrados.
Foram quase 5 anos de reuniões, apelos, humilhações, dezenas de ofícios a todos os Deputados Distritais, Senadores e a toda bancada distrital na Câmara dos Deputados.
A despeito do esforço de alguns, no fim das contas a decisão de continuar depende unicamente do Poder Executivo.
E sim, existe orçamento e existem entidades como a nossa dispostas a fazer o que o estado não faz, ou pelo menos não se dispõe a fazer, basta nos chamar, basta nos apoiar. Meu muito obrigada a cada um que dedicou o seu esforço nesta longa caminhada, familiares, amigos, voluntários, doadores, e nossos monitores (futuros desempregados), que ajudaram a transformar a AMA-DF numa referência em atendimento no Centro-Oeste.
Encerraremos nossas atividades no dia 25 de fevereiro de 2022, esperançosos de que nossos governantes em algum momento voltem a ter o respeito devido pela causa do autismo.
Gisele Montenegro, mãe do Cristian, lindo rapaz com 30 anos, abandonado pelo ESTADO.
As atividades terão que se encerrar em 25 de fevereiro próximo. Desemprego para os colaboradores que ajudaram a transformar a AMA numa referência em atendimento no Centro Oeste.”
Não conheço Dona Gisele. Soube por outros meios, que essa questão foi judicializada e que, por força de decisão pertinente, a AMA-DF, possivelmente, não tenha meios legais para recorrer. Afinal, decisão judicial cumpre-se, ouvimos isso todos os dias, no entanto, sabemos que, por aqui, tal aforismo não vale para todos. Coisa de outro departamento!
Os juízes em suas decisões estão amarrados aos códigos, às leis, à impessoalidade. A implementação das decisões, muitas vezes, deve ser ponderada pelo fato de que, em determinadas circunstâncias, alguns mais frágeis podem cair entre as dobras dos códigos que os deixam sem a proteção dos doutos, talvez autistas severos de pais carentes estejam nessas dobraduras, e cabe então aos aplicadores das decisões a mitigação dos efeitos em suas aplicações.
Daí a necessidade do poder político, mais flexível e até mais próximo das questões humanas com “cara e cheiro de gente”.
A comunidade brasiliense não pode prescindir do serviço dedicado e eficiente da AMA-DF e cabe ao Governo Ibaneis Rocha impedir a descontinuidade dessa instituição.
Não joguem, por favor a AMA-DF na rua. Ela cuida, com carinho de pessoas muito especiais.
Que a comunidade peça por ela e que as autoridades a atendam!
Vaidades, orgulhos feridos, interesses políticos não são maiores que a nossa própria consciência.
Depois de milênios, aprendemos a não largar os fragilizados pelos caminhos da vida!
Crônicas da Madrugada.
Autor:
Danilo Sili Borges, membro da Academia Rotária de Letras do DF. ABROL BRASÍLIA. Brasília – Fev. 2022