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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

É porque sou míope

Eu não sei vocês, mas a partir de hoje, não acredito mais em amor à primeira vista. Para mim, agora, só à segunda, o resto é história! Vejam bem o que aconteceu e há de concordar comigo todo mundo que já se encantou no ônibus ou num esbarrão qualquer. Uma amiga minha, junguiana, adorou e disse que era sincronicidade e que ainda havia algo ali, como isso me é reforçador; mantenho.

Fato foi que vocês já repararam nas protagonistas de comédia romântica de sessão da tarde cujo cenário perfeito é uma metrópole? Bom, não é uma metrópole, mas eu caminhava assim, naquela Heitor Vila Lobos que parecia normal em agitação para uma quarta-feira, 13h da tarde, um tanto inspirado, metido com meus insights após terapia. Para melhor explicar, era aquela sensação nem triste, nem alegre, apenas de boa, sem guerra com ninguém.

Enquanto eu conversava comigo, não me pergunte o que, pois estava ocupado demais me respondendo, eu o avistei: alto, cabelo curto, porém esvoaçante, pretos, fazendo aquele movimento típico do coadjuvante par da protagonista, jogando a mochila de lado como quem se ajeita na caminhada após pegar um objeto. Defeito? Vestia uma camiseta do palmeiras. Relevei, não sem crítica, afinal as camisetas só aparecem depois que o time ganha.

Curiosamente, naquela sessão o meu analista havia perguntado “e os amores?”, dei a mesma resposta que dou à minha mãe e à minha tia, “ah… tão indo”, cá entre nós uma dose sintática, indo para onde? E outra; quem? Enfim, talvez a pergunta não tenha sido à toa, a caminho de lá eu já pensava no meu último namorico, algo que não passou de poucas semanas, e como nós/eu havia rompido abruptamente. Razão é claro que eu tinha, mas talvez seja essa a falha essencial e constitutiva do amor, daí decorre que posturas categóricas e racionalizadas não ascendem ao ponto de reduzir expectativas, aceitar os mal-entendidos e se dar à experiência de amor.

Distraído o bastante para passar por isso, atento o suficiente para notá-lo, no fim, só lerdo demais para desviar o meu olhar a tempo que o dele captasse. Esse era o auge. Não acreditei que o meu dia chegaria, a vez dos exaltados, diriam! Eu estava parado, de frente para ele, ia dar na cara se eu simulasse um esbarrão, se ao menos tocasse meu celular, mas ainda sim me faltaria um copo de café na mão ou algum outro objeto para que: “nossa, desculpa, tá tudo bem? Machucou? Deixe-me ajudá-lo… Meu nome é … risos”

Lindo! Lindo! E me olhava compenetrado de volta. Olhos castanhos escuros, nem grandes nem pequenos. Intensos. Quase não acreditei, era demais ser correspondido, eu não

tinha chegado nessa fase ainda, nem sabia como agir ali. Ele me olhava tanto que eu quase pedi para parar “ok, amigo, já entendemos”. Só achei estranho quando a sua testa começou a franzir e as sobrancelhas se aproximavam uma da outra, os olhos que estavam brilhando acirraram-se e ele saiu furioso me encarando, sisudo, com passos fortes: meu ex! Aquele namorico que deu errado estava ali. Justo ali.

Deus! Como? Atraído demais para percebê-lo, chocado o bastante para fingir naturalidade. Eu não tive nem tempo para inventar uma desculpa ou tive e não fiz por falta de coragem ou excesso de mágoa; só sei que acaso um dia ele me pergunte, culparei a miopia. Depois de hoje, minha amiga junguiana que me desculpe, mas com o objeto de amor é sempre um reencontro.

Autor:

Helbert Policarpo

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