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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

SOCIEDADE LIMITADA E AS REGRAS DE VALUATION DA QUOTA DO SÓCIO RETIRANTE

Inicialmente, é importante tecer algumas considerações sobre Sociedade Limitada (LTDA), que é aquela formada por duas ou mais pessoas que se responsabilizam solidariamente e de forma limitada ao valor de suas quotas pela integralização do capital social, ou seja, respondem por sua parcela de contribuição referente ao valor investido, cabendo ao sócio uma ou diversas quotas.

Falamos aqui, do tipo societário mais comum e mais utilizado em território brasileiro, isso se deve, principalmente, porque ela é mais simples do que a Sociedade Anônima (S/A), além de abarcar proteção ao patrimônio pessoal dos sócios.

Cumpre salientar que a comprovação da existência de irregularidades na empresa, má-fé, sonegação ou fraude, são exceções a última regra. O mesmo ocorre para o pagamento de dívidas trabalhistas, quando o patrimônio pessoal dos sócios não for suficiente para pagar eventuais valores devidos aos empregados.

Outra característica do ente societário é a ausência de obrigatoriedade da composição de conselho (diferente da S/A), bem como a necessidade de divisão de quotas nominais e registradas no Contrato Social.

A denominação “Contrato Social” está especificada no art. 981 do Código Civil Brasileiro, e sobre o documento, é importante conceituar que se trata de um acordo entre as partes, com vistas a formalizar sua composição societária, objetivos, produtos ou serviços prestados, desígnios econômicos, direitos, obrigações, além de dispor da estruturação da empresa, integralização do capital, informações referentes a administração, prestação de contas, dissolução da sociedade, apuração de haveres, bem como outras normativas pertinentes.

O Contrato Social da LTDA. deve também, obrigatoriamente, conter o limite do capital social de fato integralizado (dinheiro, equipamentos, imóveis), as responsabilidades dos sócios, entre si e terceiros, durante todo o tempo de relação jurídica firmada.

Em que pese os requisitos formais dispostos no art. 997 do Código Civil se apresentem para a sociedade simples, são impostos também a Sociedade Limitada, por força do art. 1054, com a adequação do regular registro.

Ainda sobre LTDA., Eduardo MAFFEI explica também:

A sociedade será administrada por uma ou mais pessoas, sócios ou não sócios, designadas no Contrato Social ou em ato separado, no caso de existir a figura do gerente, este será empregado da empresa, contratado ou nomeado pelo administrador, tornando-se seu preposto.
Quanto à cessão das quotas, nas Sociedades Limitadas, desde que não haja disposição expressa diversa, os sócios poderão ceder suas quotas a outro sócio, independentemente de anuência e de concordância dos demais. Ainda, poderão ceder as suas quotas a terceiros, caso não haja oposição de mais de ¼ dos detentores do capital social.(1)

Cada contrato deverá estabelecer suas regras também quanto a cessão, as modificações dentro de seu quadro de sócios, lembrando que cada documento poderá estabelecer possibilidades até mesmo para facilitar ou dificultar a retirada de um sócio, bem como ratificar a paridade entre eles.

Cabe mencionar que existe longa discussão e várias interpretações sobre as hipóteses que permitem o exercício de recesso do sócio dissidente da sociedade empresária, com sua consequente exclusão do quadro social, além de critérios para a apuração de haveres que lhe forem de direito.

Dentre as várias correntes e linhas de entendimento sobre assunto, o presente artigo irá se limitar apenas a mencionar sobre decisão recente do STJ, que entendeu pela aplicação do art. 1029 do Código Civil:

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o sócio pode se retirar imotivadamente de uma sociedade limitada – ainda que ela seja regida de forma supletiva pelas normas relativas à sociedade anônima –, nos termos do artigo 1.029 do Código Civil. Para o colegiado, a ausência de previsão da retirada imotivada na chamada Lei das Sociedades Anônimas – ou Lei das SAs (Lei 6.404/1976) – não implica sua proibição, uma vez que o Código Civil deve ser aplicado nas hipóteses de omissão daquele diploma legal. (2)

A eventual retirada de sócio por quebra da “affectio societatis”, é tema recorrente no direito empresarial e, muitas vezes, palco para grandes discussões, tendo em vista que a maioria dos contratos sociais é elaborado proforma e não prevê regras específicas de valuation, que é o termo em inglês para “avaliação de empresas”.

Quando a saída dos sócios é feita de forma amigável, na prática (e principalmente em micro e pequenas empresas), são apurados os valores através de levantamento dos documentos contábeis, de acordo com a previsão do contrato, o que ampara relativamente o valor das quotas. Na falta das disposições expressas, aplica-se o art. 1031 do Código Civil, e a valoração será feita com “base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado”. (3)

No entanto, o que mais se vê é a retirada por desarmonia entre os sócios e a falta de previsão contratual sobre a dissolução da sociedade, sem especificações se a ruptura seria com base em caráter punitivo ou não, assim como a forma de aferição das quotas.

É inconteste que a contribuição de cada um para a sociedade, assim como a atividade empresarial em si, vai sendo modificada ao longo dos anos, e o acordo inicialmente proposto, amparado pela intenção de se constituir e manter uma sociedade, pode ser rompido.

Cumpre esclarecer que as disposições tratadas no presente trabalho são referentes a dissoluções societárias com base na omissão de cláusulas contratuais específicas no Contrato Social, concernentes a avaliação das quotas de sócio retirante.

Assim, partindo do pressuposto que não existe determinação pré-estabelecida, com a expressa anuência de todos os sócios, passamos a deliberar sobre as ponderações do assunto.

Em que pese a apuração possa se dar de várias formas, o cômputo das quotas com base exclusiva no valor econômico vinha sendo muito utilizado, o que incorre no levantamento de valores imobilizados da unidade empresarial, valores a receber, desconto de dívidas, além da análise incerta da projeção de mercado.

Uma das premissas utilizadas para tal justificativa, seria da necessidade da análise do valor da unidade empresarial, com base em sua capacidade de gerar riquezas no futuro, utilizando-se a respectiva taxa de desconto, agregada a necessidade de comparação com outros empreendimentos com desempenho econômico e financeiro semelhantes.

Na mesma linha de raciocínio, utiliza-se a avaliação contábil, o que muitas vezes não corresponde à realidade patrimonial, pois incorre em cumprimento de valores apresentados para fins fiscais.

Assim, o entendimento era que seria adequado avaliar as quotas através do método de caixa descontado, pois assim a conclusão seria pautada na situação econômica da empresa, aliada a possibilidade de se gerar rendimentos futuros, de acordo com suas participações societárias, o que acabava incorrendo em falta de estímulo para o cumprimento do dever dos sócios, incentivo ao direito de retirada, além da apuração inadequada de haveres.

No entanto, as recentes decisões jurisprudenciais vêm adotando o raciocínio de que o fluxo de caixa descontado não corresponde à realidade, porque são baseados em especulações de como a empresa poderá incidir em estabilidade, rentabilidade e possibilidade de crescimento futuro.

A metodologia é muito utilizada em operações de M&A, que incorrem na reorganização de empresas ou parte delas, assim como em compra e venda, mensurando seu real valor patrimonial, no entanto, o mesmo entendimento não cabe para a dissolução da sociedade e valuation das quotas.

É inconteste que a sociedade como um todo não é constituída somente por seu fluxo de caixa e também deverá ser analisada sob a ótica da existência de bens tangíveis e intangíveis para o cômputo dos valores que serão divididos.

Em que pese todas as teses utilizadas para se dirimir as controvérsias societárias com base no método de caixa descontado, o STJ modificou seu entendimento no ano corrente, decidindo que o critério correto a ser adotado para o valuation de quotas seria o balanço de determinação, através da análise patrimonial, excluindo a metodologia de caixa descontado.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. SOCIEDADE EMPRESÁRIA LIMITADA. DISSOLUÇÃO PARCIAL. SÓCIO RETIRANTE. APURAÇÃO DE HAVERES. CONTRATO SOCIAL. OMISSÃO. CRITÉRIO LEGAL. ART. 1.031 DO CCB/2002. ART. 606 DO CPC/2015. VALOR PATRIMONIAL. BALANÇO ESPECIAL DE DETERMINAÇÃO. FUNDO DE COMÉRCIO. BENS INTANGÍVEIS. METODOLOGIA. FLUXO DE CAIXA DESCONTADO. INADEQUAÇÃO. EXPECTATIVAS FUTURAS. EXCLUSÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a definir se o Tribunal de origem, ao afastar a utilização da metodologia do fluxo de caixa descontado para avaliação dos bens imateriais que integram o fundo de comércio na fixação dos critérios da perícia contábil para fins de apuração de haveres na dissolução parcial de sociedade, violou o disposto nos artigos 1.031, caput, do Código Civil e 606, caput, do Código de Processo Civil de 2015.
3. O artigo 606 do Código de Processo Civil de 2015 veio reforçar o que já estava previsto no Código Civil de 2002 (artigo 1.031), tornando ainda mais nítida a opção legislativa segundo a qual, na omissão do contrato social quanto ao critério de apuração de haveres no caso de dissolução parcial de sociedade, o valor da quota do sócio retirante deve ser avaliado pelo critério patrimonial mediante balanço de determinação.
4. O legislador, ao eleger o balanço de determinação como forma adequada para a apuração de haveres, excluiu a possibilidade de aplicação conjunta da metodologia do fluxo de caixa descontado.
5. Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema demonstram a preocupação desta Corte com a efetiva correspondência entre o valor da quota do sócio retirante e o real valor dos ativos da sociedade, de modo a refletir o seu verdadeiro valor patrimonial.
6. A metodologia do fluxo de caixa descontado, associada à aferição do valor econômico da sociedade, utilizada comumente como ferramenta de gestão para a tomada de decisões acerca de novos investimentos e negociações, por comportar relevante grau de incerteza e prognose, sem total fidelidade aos valores reais dos ativos, não é aconselhável na apuração de haveres do sócio dissidente.
7. A doutrina especializada, produzida já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, entende que o critério legal (patrimonial) é o mais acertado e está mais afinado com o princípio da preservação da empresa, ao passo que o econômico (do qual deflui a metodologia do fluxo de caixa descontado), além de inadequado para o contexto da apuração de haveres, pode ensejar consequências perniciosas, tais como (i) desestímulo ao cumprimento dos deveres dos sócios minoritários; (ii) incentivo ao exercício do direito de retirada, em prejuízo da estabilidade das empresas, e (iii) enriquecimento indevido do sócio desligado em detrimento daqueles que permanecem na sociedade.
8. Recurso especial não provido.
(4)

A conclusão da decisão incorre na escolha do procedimento para a apuração real do valor da unidade empresarial, considerando ser este o mais apropriado, com apuração fidedigna, sem distorções, além de concluir que o sócio retirante não irá responder pelo sucesso ou pelo insucesso futuro da empresa.

Vale lembrar também, que a referida regra evita que tanto a sociedade quanto o sócio retirante recebam valores indevidos remanescentes.

Nessa mesma linha traçada pelo STF, o STJ tem considerado que a apuração de haveres há de ser feita de modo a incluir-se no cálculo o valor do fundo de comércio, a fim de preservar o montante devido ao sócio e evitar, por consequência, o locupletamento indevido da sociedade ou dos sócios remanescentes. (5)

Outro ponto importante de se mencionar, é que toda essa avaliação é feita com base em entendimento já consolidado do STF sobre o tratamento da dissolução parcial como se total fosse, apesar de considerada como mera situação hipotética:

Essa aparente contradição se resolve pela mitigação da regra de equiparação da dissolução parcial à total, lembrando que ela constitui uma ficção jurídica – já que a sociedade se manterá em plena atividade –, bem como que os precedentes que lhe deram origem, desde os seus primórdios, ainda no âmbito do STF, se basearam no fato de que “deve ser assegurada ao sócio retirante situação de igualdade na apuração de haveres, fazendo-se esta com a maior amplitude possível, com a exata verificação, física e contábil, dos valores do ativo”. (6)

Assim, a controvérsia é resolvida com base na autêntica situação da empresa, seja em relação a patrimônio líquido, como em relação a perspectivas futuras, concedendo paridade de direitos entre sociedade e sócio dissidente quanto a avaliação de suas quotas, sem incorrer em locupletamento indevido do sócio retirante, além de estimar o valor das quotas, o mais próximo possível da realidade.

[1] MAFFEI, Eduardo. A Importância do Contrato Social nas Sociedades Limitadas. Ciências Sociais Aplicadas em Revista – UNIOESTE/MCR – v. 11 – Ed. Especial – 1º sem 2011 – p. 69 a 97 – ISSN 1679-348X.
[2] STJ – REsp 1839078, Relator: Ministro Paulo de Tarso Severino, Data de Julgamento: 12/04/2021, 3ª Turma.
[3] Art. 1031 do Código Civil.
[4] RECURSO ESPECIAL Nº 1.877.331 – SP (2019/0226289-5)
[5] REsp 1.335.619/SP, Terceira Turma, DJe 27/3/2015).
[6] RE 89.464/SP, Segunda Turma, DJ 4/5/1979.

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