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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

As estruturas de longa duração do racismo

Assisti as duas finais do último fim de semana, a Copa América e a Eurocopa. O Brasil, após a desistência dos dois países que sediariam o evento, saiu rapidamente em socorro da Conmebol e assumiu a responsabilidade do campeonato. No balanço geral, de forma irônica, prestou um luxuoso auxílio para a Argentina sair da fila de títulos, não é mesmo? Na decisão, brasileiros e argentinos realizaram um jogo fraco tecnicamente. Ficou claro que os dois países não ocupam atualmente sequer a segunda prateleira do futebol mundial e a disputa simultânea com a Eurocopa apenas acentuou tal sensação.

Talvez o que exemplifique melhor a atual situação do futebol sul-americano seja a comparação dos dias em que foram disputadas as duas finais. O horário mais nobre do futebol brasileiro sempre foi a tarde de Domingo, no entanto, a final com a Argentina foi disputada na noite de sábado. O Domingo foi reservado para Itália X Inglaterra. Muito provavelmente nossos dirigentes e as emissoras responsáveis pelo televisionamento sabiam que a audiência seria muito menor se houvesse um choque entre os horários. Resta uma pergunta, em outros tempos, quantos de nós deixaríamos de assistir Brasil e Argentina, em qualquer fase da disputa, para ver uma partida europeia?

Nada disto significa que o Brasil ou a Argentina não possam ser campeões mundiais em 2022. Em jogos eliminatórios, seleções mais “fracas”, mas que passam por um bom momento dentro da competição, podem chegar a grande final, ou você acredita realmente que a Croácia é uma potência de primeira grandeza do futebol mundial? No entanto, se a Copa do Mundo fosse disputada em formato de pontos corridos, as duas seleções sul-americanas chegariam ao término da competição pelo meio da tabela.

Taticamente brasileiros e argentinos apresentam um futebol muito previsível, o que acarretou numa final tecnicamente sofrível. A diferença entre os dois elencos é que o Brasil conta apenas com um jogador, Neymar, capaz de desequilibrar qualquer confronto e a Argentina com dois, Messi e Angel Dí Maria.

Quero destacar, por último, que o Brasil não possui grandes atacantes, aqueles que definem as partidas. A única exceção, talvez, seja Gabigol, porém o atleta ainda não mostrou a mesma desenvoltura que assistimos no Santos e agora no Flamengo. Tite continua insistindo em atletas como Firmino, Gabriel Jesus e Richarlison que não são artilheiros de ofício e deu, ao meu ver, pouca minutagem para o atleta do Flamengo. Não teria sido este o momento mais propício para escalar Gabigol, para que ele ganhasse experiência com a camisa da Seleção?

Criei muitas expectativas para a final europeia e em parte, confesso, que fiquei com uma ponta de frustração. Assisti duas grandes seleções. Taticamente excelentes ou, usando a palavra da moda, extremamente intensas. O gol inglês foi uma pintura coletiva. São equipes que pressionam a saída do adversário e montam linhas de marcações quase perfeitas. Porém, faltou o craque, motivo da minha ponta de frustração. Aquele que com um drible ou uma jogada inusitada rompe com todo o sistema defensivo.

Entendo que o título ficou em boas mãos. Os italianos mostraram a conhecida solidez defensiva que sempre caracterizou seu futebol, mas agora estão mais insinuantes e atrevidos no ataque. Se tivessem um jogador como Messi seriam quase imbatíveis.

Mas, o final de semana não foi só de festa. O racismo deixou sua triste presença. Bem menos divulgado foram as infelizes declarações nas redes sociais, durante toda a Copa América, de torcedores argentinos destilando palavras de alto teor racial. Neymar e outros atletas brasileiros foram constantemente chamados de macacos. Por sinal, acusação nada atual, ela foi feita pela primeira vez pelo jornalista uruguaio, radicado na Argentina, Antonio Palacio Zino, em 1920, em artigo publicado no Jornal Crítica, quando o Brasil, retornando do Campeonato Sul-Americano disputado no Chile, iria realizar um amistoso contra os argentinos em Buenos Aires. Tais comentários, acrescidos do que fez há pouco o presidente argentino, comprova a permanência e enraizamento do racismo no imaginário de todos nós.

Sim, caro leitor, de todos nós. Os relatórios disponibilizados pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol demonstram que, por aqui, os ataques racistas ainda são corriqueiros em nossos estádios. Outro estudo muito revelador, do doutorando Fabrizio Colela, da Universidade de Lausanne (Suíça), demonstra que sem os torcedores nos estádios, em virtude da pandemia, os atletas negros melhoraram seus desempenhos nos gramados europeus.

Em 1950, o Brasil foi derrotado na final da Copa do Mundo para o Uruguai e os culpados foram dois negros, Bigode e, especialmente, o goleiro Barbosa. Setenta anos depois os atletas ingleses, Sancho, Rashford e Saka, tornaram-se alvo de ataques covardes por perderem suas cobranças de penalidades que acarretaram no título italiano.

Não quero isentar os jogadores de suas responsabilidades, mas tais discursos de ódio dirigidos aos atletas que erraram suas cobranças são incapazes de atribuir méritos para o excelente e gigante goleiro italiano, Donnarumma. Ressalte-se que o jovem arqueiro do Milan, vendido nos últimos dias para o PSG, teve como treinador na última temporada um negro, o brasileiro Dida.

As narrativas racistas também não responsabilizam o treinador inglês que colocou no jogo, há apenas um minuto do seu encerramento, Sancho e Rashford. Me permita, leitor, uma regressão. Volto para a Copa de 1986. Zico entrou no jogo eliminatório contra a França na metade do segundo tempo e em sua primeira jogada fez lançamento perfeito para Branco que foi derrubado dentro da área. Pênalti! O craque brasileiro foi para a cobrança e, ainda frio, perdeu. Alinhavando os dois acontecimentos, se Southgate sabia que Sancho e Rashford seriam os batedores das penalidades, ele deveria tê-los colocado antes, para que estivessem no “clima” do jogo. E o que dizer da escolha de Southgate pelo jovem Saka, de 19 anos, que jamais havia batido uma penalidade máxima em sua carreira profissional e ainda como o último batedor? Bem mais sensato que os detratores raciais, o treinador inglês assumiu a responsabilidade pela escolha dos cobradores.

Também não devemos culpar o lado passional do futebol pelo crime cometido. Os erros dos atletas apenas afloraram o racismo que se encontra enraizado em muitos de nós. Não foi a derrota em si o que motivou os atos e declarações racistas, ela apenas deu vazão para pensamentos retrógrados, ultrapassados e cafonas, mas que, infelizmente, ainda não foram integralmente superados.

Por outro lado, a reação de mentes mais arejadas e progressistas apoiando os atletas e condenando de forma veemente as ofensas raciais nos traz um sopro de esperança de que as discriminações atuais, sejam elas quais forem, estão destinadas à marginalidade, ao subterrâneo, ao escárnio e, se possível, à extinção.

Autor:

Luiz Henrique Borges

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