Alexandre Herculano foi um dos mais importantes escritores da primeira geração do Romantismo em Portugal, considerado o iniciador do romance naquele país. Em sua narrativa épica, Eurico, o Presbítero, Herculano resgata os valores medievais ao montar o enredo de sua obra, que traz uma triste história de amor envolvendo um presbítero apaixonado que vive em sofrimento de um amor não correspondido por sua amada, de codinome Hermengarda. Esse amor é interrompido pelo pai da moça, Favila, o duque de Cantábria, em virtude da baixa condição financeira de Eurico.
Herculano, por meio de suas habilidades com a escrita, consegue traçar diversas críticas importantes e de maneira implícita à sociedade lusitana daquela época ao colocar em questão os valores burgueses e religiosos. Visto que o personagem Eurico se tornara presbítero não em virtude do amor ao seu Deus ou à sua religião, mas em virtude de um amor não correspondido, o autor consegue conciliar tanto o valor do casamento no entendimento burguês, quanto à fuga da realidade que Eurico busca ao tentar ser padre.
“[…] Namorado de Hermengarda, filha de Favila […] o seu amor fora infeliz. O orgulhoso Favila não consentira que o menos nobre gardingo pusesse tão alto a mira dos seus desejos. […] A melancolia que o devorava, consumindo-lhe as forças, fê-lo cair em longa e perigosa enfermidade […] Uma estas revoluções morais que as grandes crises produzem no espírito humano se operou então no moço Eurico. […] foi procurar abrigo e consolações aos pés Daquele cujos braços estão sempre abertos para receber o desgraçado que neles vai buscar o derradeiro refúgio.” (HERCULANO, 2014, p.27-28)
Como podemos analisar no trecho selecionado acima, Eurico namorou sua amada até o dia em que o pai da moça descobre o romance entre ambos, e o matriarca decide por fim no romance entre os dois, negando-lhe a mão de sua filha. E o que gradualmente constrangeu o jovem apaixonado foi ver que a sua pretendida não demonstrou resistência contra a vontade de seu pai. Logo, sentiu fraqueza de espírito e procurou o seu refúgio no sacerdócio.
Alexandre Herculano, em sua narrativa, mostra-nos o motivo que levou Eurico a ser presbítero: não fora uma vocação inata ou um desejo de seu coração, mas foi a única saída que ele encontrou para escapar dessa realidade cruel de perder a sua amada namorada, ao que tudo indica, em sua mente, para sempre. Partindo dessa afirmação, destaco mais trechos do romance:
“Depois de passar pelos diferentes graus do sacerdócio, Eurico recebera ainda[…] o encargo de pastorear esse diminuto rebanho da povoação fenícia […] A nova existência de Eurico tinha modificado, porém não destruído, o seu brilhante caráter. […] O entusiasmo e o amor tinham ressurgido naquele coração que parecera morto […]” (HERCULANO, 2014, p.28)
Em conformidade com o trecho acima, podemos perceber que Eurico conseguiu um refúgio para a sua angústia dentro do presbitério. A partir disto, o personagem consegue se reestabelecer emocionalmente para tentar prosseguir a sua vida longe de Hermengarda. Conseguimos ver com clareza que o seu coração, que antes “parecera morto”, ganhara vida novamente e é citada também a existência de um “novo Eurico”.
Eurico, de fato, sentia-se de certa maneira aliviado de todo o sofrimento que passara antes de aderir ao convento, mas vale ressaltar que nunca removera Hermengarda de seu sofrido coração. Tanto que em pensamentos nela, a sua inspiração de poeta aumentara, e destaca também suas habilidades militares ao se vestir de cavaleiro negro e ir guerrear em nome de sua pátria lusitana. O preto provavelmente representaria o luto de seu eu em virtude da perda de seu grande amor, o que viera lhe inspirar para tal fantasia.
Hermengarda permanecia nos pensamentos de Eurico, o presbítero que matava homens, escrevia poemas e sofria ainda por aquele amor nostálgico. Apesar de estar trabalhando para o seu Deus, o homem que se escondia por baixo daquela batina era um grande guerreiro assassino e apaixonado. Queirós nos traz o seguinte complemento ao nosso pensamento:
“Os amores do gardingo de Toledo com a filha do duque de Cantábria […] representam o triunfo da poderosa natureza sobre as convenções importunas dos homens – a batina do sacerdote não pudera extinguir no coração do cavaleiro godo o amor, atração iniludível e criadora de tudo quanto vive.” (QUEIRÓS, 1910, p. 3.)
Sim, Eurico tentava fugir de um amor não correspondido e tentou buscar refúgio no sacerdócio. O seu amor por Hermengarda não morrera definitivamente, pelo contrário, o seu amor por ela fora de tamanho sacrifício, a ponto de, em nome da sua religião, sacrificar a sua própria vida, por não poder continuar com a amada. Morreu por sua amada, por sua religião e por sua pátria lusitana.
Autor: Walisson Jonatan de Araújo Maia
Referências
HERCULANO, Alexandre. Eurico, o Presbítero – 2ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2014.
QUEIRÓS, Teixeira de. Centenário de nascimento de Alexandre Herculano. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1910.