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segunda-feira, 3 de novembro de 2025

O novo espetáculo do autoritarismo: quando o Estado se volta contra seus próprios cidadãos

A recente decisão do governo Trump de enviar tropas para cidades e estados sob o pretexto de combater “terroristas domésticos”, principalmente antifascistas, marca um dos capítulos mais sombrios da política americana contemporânea. A retórica do presidente, que autoriza “força total” contra inimigos internos, revela não apenas um desprezo pela pluralidade política, mas também um impulso autoritário que ecoa perigosamente os panoramas elaborados por Hannah Arendt em sua obra sobre o totalitarismo.

Arendt nos ensinou que o totalitarismo não nasceu repentinamente; ele se infiltra em poucos, utilizando a lógica racional do medo e a produção constante de inimigos fictícios para explicar a destruição das liberdades individuais. Ao designar o movimento antifascista como grupo terrorista e transformar protestos em ameaças à segurança nacional, Trump utiliza justamente aquela “combinação de terror e lógica” que Arendt aponta como essência do totalitarismo. A repressão deixa de ser exceção e passa a ser regra, convertendo a força em instrumento cotidiano de governo.

Essa deslocação do poder militar para o espaço doméstico, sob pretextos escusos, faz eco ao que Arendt classificou como a “banalização do mal”: a transformação da violência em rotina administrativa, onde a cega e a falta de julgamento moral sustentam atos opressores. Não há ato abertamente monstruoso; há uma normalização do uso da força, uma justificativa burocrática para suprimir vozes dissidentes e uma inversão completa do sentido do espaço público: o inimigo não é mais externo, mas construído internamente como artifício para consolidar o poder pessoal.

O espetáculo montado em Portland e outras cidades não é apenas uma demonstração de força, mas uma encenação autoritária, um simulacro treinado para transformar o ordinário em extraordinário. Nas palavras de Arendt, “o ideal do governo totalitário é transformar cidadãos ordinários em meros executores da lógica estatal, cuidados de juízo próprio e solidariedade”. A repressão deixa de ser pontual; começa a devorar a própria base democrática, abolindo discordâncias e transformando a administração pública em teatro de medo.

O que se presença hoje nos Estados Unidos é uma reencenação de advertências arendtianas: quando o governo se ergue não para proteger, mas para hostilizar seus próprios cidadãos, institui-se um poder que não permite limites, pluralidade ou debate — apenas a força e o silêncio compulsório. Cada ordem militar dada, cada retórica do “inimigo interno”, é um passo a mais na escalada de uma lógica autoritária que recusa política para afirmar dominação.

A história da democracia continua sendo escrita, mas convenha registrar que, como Arendt tantas vezes alertou, “pensar é perigoso”, e é da recusa ao pensamento — da acessíveis passiva do espetáculo autoritário — que brota o verdadeiro risco de banir não só o dissenso, mas toda a esperança de futuro plural.

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

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