O voto proferido pela ministra Cármen Lúcia no julgamento da trama golpista no dia 11 de setembro de 2025 ecoa como uma verdadeira obra-prima que une o rigor técnico do Direito à profundidade poética e filosófica. Para alguém vindo do campo jurídico e, ao mesmo tempo, admirador das riquezas da linguagem poética, da filosofia, da sociologia e da antropologia, o impacto de suas palavras foi imenso e profundamente inspirador. Cármen Lúcia não fez apenas uma análise técnica das provas e dos crimes cometidos; ela desenhou com palavras a pulsação de um Brasil real, carregado de dor, esperança e memória. Quando afirmou que “nessa ação penal pulsa o Brasil que me dói”, revelou a alma de um país que respira e sangra dentro dos autos processuais, tornando visível o drama humano subjacente à discussão jurídica. Sua fala não foi um mero enunciar de fatos, mas uma construção literária, um convite à reflexão sobre o Brasil do passado, do presente e do futuro que se cruzam no campo da justiça.
Essa dimensão temporal foi magistralmente explorada pela ministra quando pontuou que “nessa ação há um encontro do Brasil do passado, do presente e do futuro”. Essa síntese evoca não só a conexão histórica imprescindível para entender o fenômeno da tentativa golpista, mas também questiona o papel do Supremo Tribunal Federal como guardião do pacto democrático. Através dessa visão, Cármen Lúcia transcende os estreitos limites do Direito formal e adentra o território da filosofia social, onde o julgamento se torna um momento simbólico de reafirmação dos valores da democracia e do Estado de Direito. O voto é, portanto, um gesto intelectual e ético de enorme responsabilidade social, que ressoa além dos muros do tribunal.
A leveza do voto veio em forma de humor sutil e inteligente, especialmente na anedota que a ministra contou sobre a confusão entre “neutralização” e “harmonização”, termos usados no plano golpista para descrever ações contra autoridades do STF, particularmente o ministro Alexandre de Moraes. A senhora que confundiu o termo relacionado à tentativa de golpe com um procedimento estético trouxe um instante de humanidade e comicidade ao julgamento, mostrando como o Direito pode, e deve, dialogar com a realidade cotidiana, reconhecendo as dificuldades de comunicação entre o jargão jurídico e a vida de todos. Esta passagem revelou o equilíbrio sublime que Cármen Lúcia mantém entre a severidade necessária para julgar uma ação penal grave e a ternura que colore e humaniza essa árdua missão.
Esse voto se destaca como um dos mais contundentes e belos pronunciados recentemente, e nele se aplica perfeitamente a frase de Che Guevara: “hei de endurecer, mas sem perder a ternura”. Com determinada firmeza na defesa das instituições democráticas, a ministra preserva a ternura, o lirismo e o compromisso ético que dignificam o Direito. Tal conduta representa um exemplo raro de magistratura engajada, mas plenamente humana, que reconhece o peso de sua palavra e a responsabilidade perante toda uma nação. Para quem cultiva o saber através da lente da filosofia, sociologia e antropologia, esse voto é mais do que um ato jurídico; é uma obra literária, um objeto estético que nos revela o poder da linguagem aplicada à Justiça e a imprescindível sensibilidade necessária para a aplicação do Direito em um tempo complexo e doloroso da história brasileira.