15.6 C
São Paulo
quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Entre o Rigor do Direito e a Poesia da Justiça: o Voto que Pulsou o Brasil

O voto proferido pela ministra Cármen Lúcia no julgamento da trama golpista no dia 11 de setembro de 2025 ecoa como uma verdadeira obra-prima que une o rigor técnico do Direito à profundidade poética e filosófica. Para alguém vindo do campo jurídico e, ao mesmo tempo, admirador das riquezas da linguagem poética, da filosofia, da sociologia e da antropologia, o impacto de suas palavras foi imenso e profundamente inspirador. Cármen Lúcia não fez apenas uma análise técnica das provas e dos crimes cometidos; ela desenhou com palavras a pulsação de um Brasil real, carregado de dor, esperança e memória. Quando afirmou que “nessa ação penal pulsa o Brasil que me dói”, revelou a alma de um país que respira e sangra dentro dos autos processuais, tornando visível o drama humano subjacente à discussão jurídica. Sua fala não foi um mero enunciar de fatos, mas uma construção literária, um convite à reflexão sobre o Brasil do passado, do presente e do futuro que se cruzam no campo da justiça.

Essa dimensão temporal foi magistralmente explorada pela ministra quando pontuou que “nessa ação há um encontro do Brasil do passado, do presente e do futuro”. Essa síntese evoca não só a conexão histórica imprescindível para entender o fenômeno da tentativa golpista, mas também questiona o papel do Supremo Tribunal Federal como guardião do pacto democrático. Através dessa visão, Cármen Lúcia transcende os estreitos limites do Direito formal e adentra o território da filosofia social, onde o julgamento se torna um momento simbólico de reafirmação dos valores da democracia e do Estado de Direito. O voto é, portanto, um gesto intelectual e ético de enorme responsabilidade social, que ressoa além dos muros do tribunal.

A leveza do voto veio em forma de humor sutil e inteligente, especialmente na anedota que a ministra contou sobre a confusão entre “neutralização” e “harmonização”, termos usados no plano golpista para descrever ações contra autoridades do STF, particularmente o ministro Alexandre de Moraes. A senhora que confundiu o termo relacionado à tentativa de golpe com um procedimento estético trouxe um instante de humanidade e comicidade ao julgamento, mostrando como o Direito pode, e deve, dialogar com a realidade cotidiana, reconhecendo as dificuldades de comunicação entre o jargão jurídico e a vida de todos. Esta passagem revelou o equilíbrio sublime que Cármen Lúcia mantém entre a severidade necessária para julgar uma ação penal grave e a ternura que colore e humaniza essa árdua missão.

Esse voto se destaca como um dos mais contundentes e belos pronunciados recentemente, e nele se aplica perfeitamente a frase de Che Guevara: “hei de endurecer, mas sem perder a ternura”. Com determinada firmeza na defesa das instituições democráticas, a ministra preserva a ternura, o lirismo e o compromisso ético que dignificam o Direito. Tal conduta representa um exemplo raro de magistratura engajada, mas plenamente humana, que reconhece o peso de sua palavra e a responsabilidade perante toda uma nação. Para quem cultiva o saber através da lente da filosofia, sociologia e antropologia, esse voto é mais do que um ato jurídico; é uma obra literária, um objeto estético que nos revela o poder da linguagem aplicada à Justiça e a imprescindível sensibilidade necessária para a aplicação do Direito em um tempo complexo e doloroso da história brasileira.

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio