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sexta-feira, 26 de setembro de 2025

A Liberdade de Expressão de Pequi Roído

Ah, liberdade de expressão! Essa joia rara, tão reverenciada pelos defensores do “cidadão de bem”, contanto que o sujeito em questão repita com devoção os slogans corretos, vista-se de verde e amarelo e, de preferência, poste uma foto em cima de uma moto sem capacete. Porque liberdade mesmo, nos tempos dourados do bolsonarismo, tive que dizer tudo o que o chefe queria ouvir — e absolutamente nada além disso.

O caso dos outdoors em Palmas é um clássico instantâneo da literatura autoritária. Um grupo de cidadãos ousou pregar em letras garrafais a sentença herética: “Bolsonaro não vale um pequi roído” . A piada atravessou o cerrado, mas não atravessou o ego presidencial. O então Ministro da Justiça, André Mendonça — aquele que anos depois viraria “terrivelmente evangélico” para compor a Suprema Corte — abriu inquérito contra o ato. Como se comparar o presidente a um pequi mordiscado fosse atentado à segurança nacional. De repente, o Estado brasileiro foi mobilizado contra um cartaz de humor popular, como se o riso fosse uma arma de destruição em massa.

E não parou aí. O cartunista Aroeira teve a ousadia de atrair Bolsonaro transformando a cruz vermelha dos hospitais em uma suástica, refletindo a política de transformar a pandemia em chacota regada a cloroquina. Resultado? Nova ofensiva estatal contra a crítica. Porque, vejam bem, no vocabulário bolsonarista, liberdade de expressão não incluída lápis nem cargas. Liberdade mesmo era o direito irrestrito de pedir o fechamento do STF em frente ao quartel — isso sim era “voz do povo”.

Enquanto o cidadão comum e os chargistas eram perseguidos, o chefe do governo exercia a sua própria versão de liberdade de expressão, ameaçando sistematicamente impor censura a quem lhe desagradava. A Rede Globo que o diga. Foram inúmeras graças em que Bolsonaro, em tom de messias mal-humorado, prometeu “acertar as contas” com a emissora, disse que iria “tirar a Globo do ar”, que ela perderia a concessão, ou que seria “fechada”, já que suas reportagens eram “inimigas do Brasil”. Nada de nova: no Brasil daqueles dias, o jornalismo investigativo era considerado terrorismo, e a ameaça não vinha de um crítico de bar, mas do presidente da República em exercício.

Era um cardápio variado: outdoor de pequi roído virava inquérito; cobrar virava caso de polícia; reportagem da Globo virou ameaça de fechamento. Tudo embalado no slogan repetir até a exaustão: “liberdade acima de tudo!”. Claro, liberdade deles — de agredir, ameaçar, espalhar fake news a rodo em lives caseiras direto da Alvorada. Já a liberdade dos outros, essa necessária de um bom cerco policial, um processo exemplar, ou no mínimo uma ameaça velada de cassação da concessão da maior rede de TV do país.

O curioso é que essa narrativa se equilibrava em um paradoxo delicioso: enquanto o governo clamava ser vítima de censura e da “mídia golpista”, tentava calar outdoors, humoristas, professores, jornalistas, jornais e até emissoras inteiras. Liberdade, nesse modelo, era como o oxigênio em Manaus na época da pandemia: escassa, racionada e negociada.

E assim, no país onde até um pequi mordido vira caso para polícia, a verdadeira liberdade que floresceu foi a de ameaçar quem ousava criticar. Afinal, como bem mostrado o teatro bolsonarista, expresso mesmo, no fim das contas, só o café da manhã.

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

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