Ah, liberdade de expressão! Essa joia rara, tão reverenciada pelos defensores do “cidadão de bem”, contanto que o sujeito em questão repita com devoção os slogans corretos, vista-se de verde e amarelo e, de preferência, poste uma foto em cima de uma moto sem capacete. Porque liberdade mesmo, nos tempos dourados do bolsonarismo, tive que dizer tudo o que o chefe queria ouvir — e absolutamente nada além disso.
O caso dos outdoors em Palmas é um clássico instantâneo da literatura autoritária. Um grupo de cidadãos ousou pregar em letras garrafais a sentença herética: “Bolsonaro não vale um pequi roído” . A piada atravessou o cerrado, mas não atravessou o ego presidencial. O então Ministro da Justiça, André Mendonça — aquele que anos depois viraria “terrivelmente evangélico” para compor a Suprema Corte — abriu inquérito contra o ato. Como se comparar o presidente a um pequi mordiscado fosse atentado à segurança nacional. De repente, o Estado brasileiro foi mobilizado contra um cartaz de humor popular, como se o riso fosse uma arma de destruição em massa.
E não parou aí. O cartunista Aroeira teve a ousadia de atrair Bolsonaro transformando a cruz vermelha dos hospitais em uma suástica, refletindo a política de transformar a pandemia em chacota regada a cloroquina. Resultado? Nova ofensiva estatal contra a crítica. Porque, vejam bem, no vocabulário bolsonarista, liberdade de expressão não incluída lápis nem cargas. Liberdade mesmo era o direito irrestrito de pedir o fechamento do STF em frente ao quartel — isso sim era “voz do povo”.
Enquanto o cidadão comum e os chargistas eram perseguidos, o chefe do governo exercia a sua própria versão de liberdade de expressão, ameaçando sistematicamente impor censura a quem lhe desagradava. A Rede Globo que o diga. Foram inúmeras graças em que Bolsonaro, em tom de messias mal-humorado, prometeu “acertar as contas” com a emissora, disse que iria “tirar a Globo do ar”, que ela perderia a concessão, ou que seria “fechada”, já que suas reportagens eram “inimigas do Brasil”. Nada de nova: no Brasil daqueles dias, o jornalismo investigativo era considerado terrorismo, e a ameaça não vinha de um crítico de bar, mas do presidente da República em exercício.
Era um cardápio variado: outdoor de pequi roído virava inquérito; cobrar virava caso de polícia; reportagem da Globo virou ameaça de fechamento. Tudo embalado no slogan repetir até a exaustão: “liberdade acima de tudo!”. Claro, liberdade deles — de agredir, ameaçar, espalhar fake news a rodo em lives caseiras direto da Alvorada. Já a liberdade dos outros, essa necessária de um bom cerco policial, um processo exemplar, ou no mínimo uma ameaça velada de cassação da concessão da maior rede de TV do país.
O curioso é que essa narrativa se equilibrava em um paradoxo delicioso: enquanto o governo clamava ser vítima de censura e da “mídia golpista”, tentava calar outdoors, humoristas, professores, jornalistas, jornais e até emissoras inteiras. Liberdade, nesse modelo, era como o oxigênio em Manaus na época da pandemia: escassa, racionada e negociada.
E assim, no país onde até um pequi mordido vira caso para polícia, a verdadeira liberdade que floresceu foi a de ameaçar quem ousava criticar. Afinal, como bem mostrado o teatro bolsonarista, expresso mesmo, no fim das contas, só o café da manhã.