24.4 C
São Paulo
terça-feira, 3 de setembro de 2024

Eu tenho o direito de me sentir uma grande gostosa mesmo namorando

Durante toda a minha vida, sempre tive um grande problema com a minha imagem. Poderia estar pesando 58kg, usando roupas de tamanho P, e ainda me achava enorme (tipo kg mortais), além de ter a confirmação dos colegas de classe (durante o período escolar), que sempre vomitavam asneiras sobre minhas bochechas, comparando meu corpo a qualquer menina que pesava 10kg a menos que eu. Talvez minha Nóia sobre ele, atraísse os olhares de uma forma energética astral, para confirmarem o que eu já pensava sobre ele.

Na pré-adolescência eu fui a uma endocrinologista chorando compulsivamente porque me achava gorda demais, fiz uma dieta aos 10 anos para ser aceita, porque meus coleguinhas comentavam sobre minhas pernas grossas e bochechas. Olha que nesse tempo nem existia Instagram para eu ficar me comparando, nem precisava, os comerciais de TV, os filmes, as coleguinhas de sala deixavam bem claro qual era o padrão de beleza. Tenho muita pena dessa garotinha, pois olhando as fotos, assumo que nunca nem cheguei perto do que eu imaginava que eu era.

Nunca me esqueço do dia que uma amiga próxima me deu indiretas dando a entender que meu peso era um problema, isso aconteceu quando fomos a um brinquedo num parque de diversão e o ferro que prendia a minha barriga estava com defeito e ele foi uns 10cm a frente em relação aos outros e me deu um soco no estômago, e desesperada comecei a gritar pedindo ajuda, enquanto ela ria e uma mulher que estava a frente dizia: isso só acontece com nós que somos gordinhas, eu já estava sem ar, e ainda tive que escutar da minha amiga uma fala gordofóbica. Inclusive, quando comecei a frequentar cursos extra curriculares e cursinhos pré-vestibulares, os olhares que eu nunca tive durante toda minha vida escolar, começaram a se voltar a mim, era “fiufiu” quando eu passava, professores me assediando no telefone (essa parte não foi legal) , coleguinhas indo conversar comigo nas paradas de ônibus, guardinha novinho me encarando, até que entrei na faculdade e uns 3 colegas de sala gostaram de mim de uma só vez, então veio a confirmação na minha cabeça: é, estou sendo notada porque eu estou mais magra que o normal. Eu me sentia uma grande gostosa tímida, porque apesar dos olhares e pessoas que vinham conversar, não fiquei com ninguém, e disse vários nãos. Foi então que percebi que o grande problema era a escola. Como que uma menina que usa P, pesa 58kg estava acima do peso?

Até que aos 20 anos entrei numa profunda depressão e comecei a fazer terapia, depois que estabilizei, a batalha era justamente trabalhar essa autoestima que eu nunca desenvolvi durante a vida. Sempre me sentindo a última dos patinhos feios. Passei 5 anos fazendo terapia e me dedicando 50% do meu tempo para a construção dessa autoestima criando tempo de qualidade para minha solitude, e no meio disso comecei a fazer autorretratos.

Antes de continuar preciso fazer um recorte importante, desde que me entendo por gente, sempre me vestia de forma casta, porque odiava atrair olhares com medo de assédio, pois na cidade que morei a minha vida toda, passei por inúmeras situações de assédio por conhecidos e desconhecidos em lugares privados e públicos, então sempre me escondia, andava curvada para ninguém perceber que eu tinha peitos e escondia as coxas com roupas largas e compridas da cintura para baixo.

Bom, voltando, comecei a fazer autorretratos que me ajudaram a me enxergar melhor, a desenvolver um sentimento jamais conhecido por mim durante toda minha trajetória: me sentir uma grande gostosa que não precisa se esconder, porque o problema nunca foi o meu corpo, e sim a maldade dos homens. Então pela minha primeira vez na minha vida, aos 23 anos, eu comecei a me sentir bem no meu corpo. Passava meu dia estudando e dedicando tempo para me descobrir como uma mulher, que deixou de ser menina a muito tempo e continuava se comportando como uma. As fotos e os vídeos que eu fazia e postava no Instagram, revelaram a mim que eu também sou uma mulher sensual, com um corpo que mesmo não sendo padrão é bonito, e que ele não é um convite para o abuso e o assédio. Até porque quando eu sofri assédio do meu chefe, eu usava roupas que cobriam meu corpo todo. Foi então que durante mais ou menos 3 anos, eu me senti bem com ele (parcialmente, porque tinha dias que só a misericórdia).

Em 2020 eu conheci o meu grande amor, sentimento que jamais senti por alguém durante meus anos de vida. Um amor que eu sempre procurei e nunca encontrava. Mas ele não aceitou muito bem os meus auto retratos e vídeos postados, que muitíssimo me ajudaram na construção desse autoamor. Depois de eu muito resistir, sendo uma mulher que nunca aceitou nada de homem, feminista e brava, resolvi ceder, não porque ele mandaria em mim, até porque ele nunca me proibiu de usar nada que eu queira nem ir aonde eu quero. Mas eu entendi que certos tipos de fotos, mesmo sendo artístico o magoaria. Então chegamos a um consenso, que eu não postaria fotos expostas. Mas ao longo de 2 anos, depois de tanto trabalhar e quase não ter mais esses momentos de qualidade em que eu pudesse dedicar tempo aos meus retratos, comecei a desaparecer. Engordei muitos kg, não dedico mais tempo de qualidade a esses momentos, sou feliz com meu namorado, construímos uma relação saudável e de respeito, mas eu me sinto feia, enorme, horrível, indesejável, não porque ele faça eu me sentir assim, pelo contrário, eu me sinto assim por não fazer mais esses autorretratos e postar, ainda mais que eu não tenho mais tempo para me olhar assim, e isso tem acabado comigo. Sem contar que eu sou fotógrafa e o olhar que eu tenho sobre os detalhes de um corpo nu de um homem ou de uma mulher não os objetifica, os sensibiliza, assim como eu fazia comigo.

Foi então que percebi que depois da minha última crise, em que já me sentia perdida de mim a muito tempo, agora eu perdi até o meu senso de beleza. Eu conquistei minha autoestima através de vivências diárias, acompanhando mulheres fora do padrão se expondo da mesma forma que eu comecei a me expor para mostrar que apesar das minhas dobrinhas, eu poderia sim me sentir linda e isso ajudou algumas pessoas, pois compartilhavam comigo. Não ter isso a um tempo, tem feito eu me sentir muito mal comigo mesma. Percebi que o olhar que a fotografia traz sobre a minha própria imagem me ajuda a me sentir bem com minha aparência, indo de encontro com a distorção de imagem que faz eu me sentir mal no espelho todos os dias. Expor ao mundo fotos que me ajudam a me sentir bem com minha aparência, mesmo que sensual, não agride meu status de namorada, até porque elas são muito mais que fotos para satisfazer pervertidos. É sobre mim, sobre minha arte e meu corpo que é natural e não ofende.

Obs.: Esse texto não foi escrito para atacar meu namorado, muito menos denunciar um relacionamento abusivo, porque meu relacionamento está bem longe disso, nossa história tem muito respeito e nenhuma proibição. Ele foi escrito porque eu sou cronista e sinto a necessidade de colocar tudo isso pra fora. E antes que feministas e militantes de plantão ataquem meu relacionamento, quero deixar claro que todo relacionamento tem os dois lados cedendo, conversando e entendendo o outro. Nossa conversa foi longa e ele nunca me impôs ou me ameaçou de nada. Não vivemos num conto de fadas extremista que descarta relacionamentos porque sempre estão colocando os parceiros e parceiras em caixas onde tudo acaba em abusivo. Eu entendi o ponto dele, não produzir os meus autorretratos também inclui minha falta de tempo e muito trabalho, mudança de cidade e tudo isso. Porém, também inclui o desconforto dele, sobre algo que me causava muita felicidade.

Autora:

Juliana Sena. Redatora Publicitária – Escritora no blog: O Mundo de Ju Wix. Gosta de escrever crônicas sobre o seu mundo: onde tudo é possível e toda dor é sublimada. Siga seu trabalho nas redes sociais através do Instagram: @juprimavera_

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio