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domingo, 8 de setembro de 2024

45 – Um novo dia

O dia estava amanhecendo. Era uma manhã fria, gélida… bem diferente dos dias que a antecederam. Era o primeiro dia do outono… o verão havia partido, e com ele as manhãs quentes, aconchegantes. Sim, o frio batia à porta do mundo, prenunciando um inverno bem rigoroso, se fosse levar em consideração o primeiro dia da nova estação… é claro que dali a algumas horas o sol esquentaria o mundo, deixando a impressão que nada havia mudado… mas quando a noite chegasse, o frio retornaria, junto com o vento que vinha do sul… as chuvas deveriam escassear, embora nem sempre isso ocorresse. De qualquer forma, para quem acampava ao relento, não era uma boa estação… afinal, para se sentir confortável, o fogo não poderia apagar durante a noite, ou o frio viria com força total… e era justamente sobre isso que Maria estava pensando… bem, para sermos justos, ela pensava em sua cama quentinha que havia deixado para trás a um bom par de meses, atrás de uma aventura maluca junto com sua amiga mais maluca ainda…. e agora, para melhorar… ou piorar tudo, tinha mais uma componente no grupo…

Depois que despacharam os homens que as atacaram, Rosa ficou um bom tempo pensativa… é que ela não tinha a menor ideia do que iria fazer daquele momento em diante. Voltar para o vilarejo estava completamente fora de cogitação. Afinal, os homens não iriam aceitar a humilhação que sofreram nas mãos das moças assim tão facilmente… é claro que não iriam persegui-las, tampouco pensariam em atacá-las enquanto estivessem juntas. Mas se Rosa voltasse para sua casa, com ou sem a ameaça feita por Graça – creio que o correto seria dizer aviso –  com certeza Renato no mínimo a espancaria… isso se não a matasse… Rosa não tinha, realmente, para onde ir. Sua família morava no sul, nos pampas.  E era um bocado de chão até sua pousada… sem contar que, como saiu de casa sem a devida benção de seu pai, com certeza não seria bem vinda de volta à casa paterna. Ela externou tudo isso para suas novas companheiras. aria se compadeceu da situação da moça… entendeu que a moça, realmente, não tinha para onde correr…

Graça ficou algum tempo pensativa… sabia que Rosa estava certa. Não é porque ela havia dito aos homens que, se tivessem alguma atitude contra Rosa  que ela retornaria para castigá-los, que eles iriam  ficar quietinhos em seu canto. O ódio que deveriam estar sentindo pela situação que passaram, fora a vergonha de chegarem ao vilarejo nus e amarrados como porcos, seria suficiente para que descontassem toda a sua frustração na moça, tão logo ela colocasse seus pés no lugar. Não, Rosa não poderia retornar para a vila…  depois de muito pensar, resolveu fazer o convite para a moça….

– Rosa, já pensou em andar por esse mundão afora, sem destino?

– Como assim?!

– Olha, eu e a Maria estamos atrás de um safado, que matou uma moça lá de onde viemos… a gente vai prender o sujeito e levar ele para ser justiçado…

Rosa olhou para as duas, admirada…

– Vocês tem coragem…

Maria resolveu falar.

– Não é coragem não, Rosa… é que o pai da moça ofereceu um bom dinheiro pela captura do sujeito… e a gente precisa desse dinheiro…

– Ainda assim… eu jamais sairia pelo mundo atrás de um bandido, nem por todo o dinheiro do mundo…

Graça olhou para a moça, pensou um pouco, então falou…

– Bem, você está em uma situação um tanto complicada…

– É… estou…

– Não pode voltar para sua casa… na verdade, eu diria que você não tem mais casa…

– É, você tem razão…

– Pois então… se vier com a gente, e nos ajudar a pegar esse vagabundo…

– Eu?!…

– Sim, você…  a gente vai precisar de ajuda… e podemos dividir o dinheiro entre nós três… 

– Tá falando sério?

– Claro que sim… e a Maria concorda comigo, não é mesmo, Maria?

Maria, que até então só ouvia as duas conversarem, limitou-se a concordar com um sinal de cabeça. Sim, uma companheira a mais seria muito útil na caçada. E o dinheiro prometido pelo fazendeiro poderia ser dividido pelas três, que ainda assim seria umas boa quantia…

Graça caminhou até onde fizera os homens se despirem, olhou as armas e os cinturões… examinou uma a uma e escolheu dois dos revólveres e um dos rifles. Recolheu toda a munição ali disponível, colocou em seu alforge, pegou um dos cinturões, colocou os dois coldres no mesmo e mandou Rosa afivelá-lo em sua cintura. Rosa obedeceu. Recebeu das mãos de Graça as duas armas, guardou-as nos coldres, e ficou olhando para as duas amigas na sua frente… muito bem, estava carregando duas armas… e daí?

– Acho que preciso avisar a vocês que não sei atirar…

– E daí? Nenhuma de nós aqui sabe…

Maria deu um risinho. Graça, olhando para ela, continuou…

– E mesmo assim, Maria já me tirou do sufoco duas vezes…

Rosa olhou para as duas, incrédula…

– Vocês  não sabem atirar? Está brincando comigo, não é mesmo? Aquele disparo da Maria foi certeiro…

– E antes disso, ela matou uma serpente com outro tiro certeiro…

– Mas eu nunca havia disparado uma arma, antes…

Rosa olhou para as duas, novamente. Estava cada vez mais surpresa com o que as duas contavam… elas eram completamente doidas. E Rosa pensou que deveria ser louca, também, pois resolveu que iria acompanhá-las em sua aventura… afinal, além de sua vida, o que mais tinha a perder?  

46 – Uma noite de descanso  

– Ainda falta muito?

– Não… mais umas duas horas e chegamos em Igaratá…

– Meu Deus…. e não é que estamos chegando, mesmo?!

– E você não estava acreditando na gente, Maria?

– Acreditando, eu estava… mas uma coisa é a gente cavalgar por esse mundão sem fim, outra é conseguir chegar inteira em nosso destino…

– Pois então, menina… mais um pouco, e a gente coloca a mão naquele dinheiro….

– Não está sendo muito precipitada, não?

– Por quê?

– Bom, a gente só pode contar com o couro do boi depois que esfola ele…

– Maria, eu considero esse boi esfolado…

Rosa escutava a conversa das duas amigas em silêncio. Fazia uma semana que cavalgava ao lado das duas e já havia se afeiçoado a elas. As achava meio maluquinhas, mas sabia que tinham bom coração… e isso a preocupava. Afinal, bom coração não combinava com caçada humana… está certo que as duas foram bastante enérgicas contra seu ex companheiro e seus amigos… mas a situação era diferente. Agora elas iriam enfrentar uma pessoa que havia cometido um crime, sim. Mas o calor da emoção já havia passado e, se elas hesitassem… bem, com certeza o resultado não seria nada bom para as duas. É certo que Graça havia melhorado no uso de suas armas… Rosa a ensinou a usar as boleadeiras e o laço… e Maria era rápida no gatilho e quase nunca errava o alvo… mas até agora elas não haviam encarado um problema de verdade… não na dimensão daquele que perseguiam… bem, o destino decidiria o que iria acontecer nos próximos dias….

Depois de mais algum tempo cavalgando, finalmente avistaram as primeiras casas do povoado… agora, a única coisa que as três amigas desejavam de verdade era encontrar uma pousada na cidade, tomar um bom banho, comer alguma coisa e descansar… se preocupariam com gado, fazenda e bandoleiro depois de uma boa noite de sono em uma caminha macia… e assim fizeram. Apearam em frente à primeira pousada que encontraram… como todas as pousadas da estrada, não tinha um ar muito convidativo, mas como se diz… “para quem tem sede, qualquer água serve para beber” ….  além disso, o interior da pousada era mais aconchegante que a sua fachada. As três pediram uma porção de frango, acompanhado com arroz e feijão, mais um café forte como o quê. Depois de saciarem a fome, e como a noite já se aproximava, pediram um quarto e foram descansar… deixariam para continuar sua luta depois de uma boa noite de sono…

Enquanto estavam deitadas e o sono não vinha, Maria começou a pensar em sua família… já fazia um bom tempo que não os via… desde o dia que havia resolvido entrar nessa aventura maluca junto com sua amiga. Como será que sua mãe estava? Seu pai… seus irmãos… até daquela besta do Tonhão ela estava sentindo falta… é certo que ele pretendia levá-la para o altar e Maria não tinha intenção alguma de se casar… mas pensando agora, distante que estava de todos que conhecia, sentia falta dos mimos que ele lhe fazia… está certo, ele não era nenhum príncipe encantado… é provável que jamais deixaria a vida de roceiro, não era um sujeito ambicioso… mas ele gostava dela de verdade e sempre lhe dava algum presentinho… nunca ia encontrá-la sem levar-lhe uma flor do campo que fosse. Sim, não era nada assim tão espetacular… mas era como o seu pai sempre dizia… o que importava era a intenção, não o presente em si… o valor do objeto estava ligado ao coração da pessoa que entregava o mimo… e, não importava o que fosse, aquele seria um objeto único, cujo valor jamais poderia ser calculado, pois dinheiro algum no mundo poderia comprá-lo, já que era um presente da alma… 

Por falar em alma… será que os fantasmas continuavam a movimentar seu povoado? Um dos motivos que a fez se oferecer a acompanhar sua amiga pelo mundo foi justamente fugir das manifestações das almas do outro mundo… ela pensou muito sobre o assunto e chegou à conclusão de que se procurasse outros ares talvez seu medo do desconhecido e do além se fosse… novas experiências, novas formas de se ver a vida…

A pior experiência, da qual ela não conseguia se esquecer, era aquela na qual as duas haviam se perdido na mata. E por mais que tentassem, não conseguiam sair dali, até que Graça começou a orar. Graça conhecia várias orações, praticamente para todos os tipos de problemas do além… havia aprendido com sua mãe, que durante algum tempo foi uma das melhores benzedeiras da região… mas nos últimos tempos, um mal a acometeu, e nada conseguia curá-la… sim, algumas vezes a intervenção humana era necessária… segundo o médico, se a sua mãe não fosse tratada em um hospital, sua vida se esvairia como a água que corre  por entre as pedras… e isso foi o estopim para que Graça pensasse em alguma coisa que realmente desse dinheiro, já que o trabalho na lavoura não era tão rentável quanto ela necessitava… primeiro pensou em conduzir gado, pois a paga era bem melhor que o que recebia… depois, quando ficou sabendo o quanto o fazendeiro Leôncio oferecia pela captura de Zé Ferreira, não titubeou nem por um minuto, e decidiu que iria atrás desse prêmio. Ia dar certo? Não sabia… mas tinha que tentar, para poder salvar sua mãezinha querida…

 Maria olhou para a cama em que Graça estava deitada. Esta retribuiu o olhar… era como se estivesse lendo os pensamentos da amiga… e então, Graça sorriu.  Rosa, cansada da cavalgada, ressonava tranquila, pois se sentia em segurança na companhia de suas novas amigas. Mesmo considerando o tipo de missão no qual estavam todas envolvidas, esta se sentia tranquila, pois sabia que as duas amigas não a deixariam abandonada, não importava qual situação se apresentasse. E ela faria pelas duas tudo aquilo que estivesse ao seu alcance… mas nesse momento, estava vivendo no mundo dos sonhos, onde tudo era perfeito e maravilhoso… deixaria para viver o mundo cruel quando acordasse e suas amigas resolvessem continuar a caçada… por ora, estava brincando nos campos floridos de sua infância, correndo junto com Mosquito, seu cãozinho de estimação que a acompanhou até o inicio de sua adolescência…

Autora:

Tania Miranda

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