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domingo, 25 de agosto de 2024

Cinquenta e Três Minutos

Maria acordou naquele dia e demorou para sair da cama, pois os compromissos a serem cumpridos não demandariam urgência naquele momento.

Seu apartamento estava suficientemente organizado e o que precisava ser ajeitado não a incomodava.

Olhou para o nada antes de preparar o seu café. Quando tomou coragem, fez e apreciou sem pressa, pois nada o lhe importava naquele momento. Para que saber que horas eram ou quais as mensagens deixadas no seu celular? Não evitava nada (talvez), apenas não queria se preocupar e não sentia culpa por isso. No banho, desenhava flores, círculos, rostos, escrevia seu nome e uma frase qualquer no vidro do banheiro.

“Quem ama com paixão ama a compaixão?”

Após se vestir, olhou pela janela e presumiu que estivesse no meio da manhã pela força do Sol e movimento presente lá fora. Havia feira na esquina, então lembrou que era sábado.

Admirou a rua e o canto dos pássaros que alternavam com os carros passando de vez em quando, sem nada lhe chamar tamanha atenção. Apesar de comuns, seus pássaros preferidos eram os pardais, pois aprenderam a sobreviver a qualquer loucura urbana.

Deitou-se no chão e o Sol tratou de aquecer seus cabelos úmidos.Na sua vista, agora somente o gesso branco e a moldura do teto da sala participavam e nada mais, sem detalhes.

Fechou os olhos, uma música invadiu seus pensamentos, sem significado ou fator desencadeante. Nem era sua canção favorita ou o gênero que apreciava escutar. Apenas chegou, como um passageiro que desembarca numa estação de trem, mas não a incomodava.

De repente, conversava com um colega de trabalho, sem dizer uma palavra. Ajudaria num caso mais difícil de seu ofício. Sentiu raiva e brigou com ele.

Momentos depois, a conversa degenerou para assuntos divertidos com frases que gostaria de dizer.

Uma lembrança inusitada da infância apareceu e a fez sorrir. Invadiu com cores, barulhos e tudo que tinha direito, como se fosse ontem. Abriu os olhos e o teto branco de gesso retornou em sua vista. O calor começou a ocupar o ambiente e o Sol começou a incomodar um pouco. Mudou de posição.

Sua playlist particular mudou a faixa para algo que era mais familiar e ela cantarolava.

Tornou a fechar os olhos e o diálogo era com sua avó. Maria, naquele momento, portava-se como boa ouvinte no quintal de sua casa.

Alguém cumprimentou um conhecido lá fora com gritos e brincadeirinhas particulares. Isso sim a incomodou, pois sua conversa foi interrompida sem que o assunto acabasse.

E percebeu seu corpo descansado da boa noite de sono que tivera.

“Se pudesse, eu dormiria a vida toda”

Sorriu com a estranha possibilidade.

Uma velha receita aprendida na época de escola que despertou-lhe a fome e seria uma ótima ideia para o lanche da tarde naquele dia.

Começou a olhar suas mãos e perceber seus longos dedos. Prestou atenção no colorido reconvexo das suas unhas, além das linhas retas transparentes e sobrejacentes.

Também nas veias desenhadas das costas das mãos.

A música continuara ali no fundo.

Até que percebeu que o movimento lá fora se intensificou.

Resolveu cuidar de seus afazeres, afinal, acreditara que perdeu, talvez a manhã toda em seus pensamentos mirabolantes e desconexos.

“Mas não vou ler as mensagens agora, talvez mais tarde”.

Jamais acreditaria que passaram somente cinquenta e três minutos depois que acordou.

Nesse tempo, muita coisa Maria fez sem cumprir um objetivo sequer da sua inusitada lista imaginária de compromissos.

Autora:

Marize Teixeira Vitório. 

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