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terça-feira, 27 de agosto de 2024

A fiscalização (ou falar de) na FAPEG

O que resiste, persiste.

Carl Jung

Ninguém se lembra quem foi o autor do projeto de lei que criou a FAPEG. Poucos conhecem sua existência e os resultados de seu trabalho. Aliás, ninguém nunca viu qualquer trabalho dessa Fundação.

Pense numa organização onde imperam ociosidade, descaso e tudo de ruim que pode existir num negócio. Não gera receitas e, não fossem as verbas públicas, teria falido há anos. Não tem Visão, Missão, Valores, Objetivos, mas tem excesso de pessoal, todos regiamente remunerados.

A FAPEG – Fundação de Apoio às Pessoas em Geral, recebe recursos do Orçamento da União e das leis de incentivo fiscal. O Estatuto é obscuro e cita projetos, estudos, pesquisas e ações para fomentar Cultura, Esportes, Física Quântica, Amparo Social, Ufologia, Educação, Amamentação, Indígenas, Tartarugas, Assuntos Difusos e uma miríade de áreas do saber (e da ignorância). 

Ninguém conhece quais pessoas são amparadas: se físicas, jurídicas ou ambas, nacionais ou estrangeiras. Ninguém sabe onde fica sua sede. Suspeita-se que seja numa chácara com piscina e sauna às margens do lago Paranoá. O endereço para correspondência é uma Caixa Postal e o atendimento é apenas virtual, mas o site vive fora do ar e o App está em testes há 8 anos. A Inteligência Artificial não é páreo para a estupidez natural na FAPEG. Trabalham remotamente e ninguém sabe o que fazem. Dizem que se os 3.972 empregados comparecessem ao trabalho a chácara não comportaria. Como o salário é pago em dia, imaginou-se que o RH trabalhasse presencialmente, mas a folha de pagamento é terceirizada.

Um veterano do Congresso lembra vagamente de sua criação, via emenda “jabuti” inserida na lei que autorizou a doação de sandálias Havaianas aos atletas do Surfe Olímpico de Ruanda. Um Senador tentou impedir, pois Ruanda não tem mar e o Surfe não era esporte olímpico à época. Foi encontrado sem vida no banheiro do Senado durante a pausa do cafezinho, com tiro na nuca e 2 facadas nas costas, mas o inquérito concluiu por suicídio. Aí veio o final do mandato, o novo governo, nova legislatura, ninguém mais tocou no assunto e a FAPEG foi criada.

Todo ano a verba para a FAPEG é aprovada sem objeções. Ninguém sabe a qual Ministério pertence, ninguém fiscaliza, mas, convenhamos, o que são 2 ou 3 bilhões em meio às somas aprovadas sem qualquer análise no apagar das luzes? Sai governo, entra governo, novos parlamentares são eleitos, membros do judiciário e do MP são empossados, mas até hoje ninguém botou o dedo nessa ferida. 

Durante outra sonolenta sessão destinada a aprovar a outorga de comendas aos próprios congressistas e amigos, um Senador pediu auditoria na FAPEG. Como poucos sabiam do que se tratava, a moção foi aprovada e o nobre Senador Palermo foi nomeado Auditor com prazo de 90 dias para apresentar o parecer, prazo que foi prorrogado 2 vezes até ele conseguir localizar alguém para conversar.

Ele obteve o endereço da chácara, com o compromisso de não revela-lo por que o local está protegido por sigilo de 100 anos. Foi recebido pelo Presidente e os diretores de Finanças, Operações, Pessoal, Informática, Jurídico, Imprensa, Mídias Sociais e Relações Internacionais. Ele não entendeu os três últimos, uma vez que tudo é sigiloso, mas não quis criar caso logo no primeiro contato.

Durante a reunião, ouviu-se um improvável choro infantil, mas não há creche no local e crianças não são admitidas. Uma busca foi organizada e encontraram um recém nascido embrulhado num desses panos vendidos nas esquinas por R$ 10,00 a dúzia. O mini ser conseguiu algo inusitado na FAPEG – compaixão e colaboração. O pessoal se cotizou, comprou fraldas, roupinhas, bebê conforto, leite e um chocalho. A foco da reunião mudou, da Auditoria para a investigação da paternidade do bebê e o Senador Palermo integrou o Grupo de Trabalho que investigou o caso.

O processo terminou quando o bebê estava para completar 6 meses de vida (ou descoberta). A conclusão foi abandono no local por alguém de fora da FAPEG e jetons generosos foram pagos por causa do exaustivo trabalho extra. A criança, definitivamente, não poderia ter sido gerada na Fundação ou por seus integrantes, por 3 motivos. Na FAPEG: 1) Nunca houve um projeto que durasse 9 meses; 2) Nunca foi produzido qualquer coisa que tivesse pé ou cabeça; 3) Nunca 2 duas pessoas se uniram para fazer coisa alguma.

Finda a investigação, ninguém foi punido e bebê foi encaminhado para adoção. O Senador esqueceu de pedir nova prorrogação de prazo e a Auditoria foi encerrada. Suspeita-se que a FAPEG seja cabide de emprego para amigos, amantes e filhos adulterinos do seleto grupo de parlamentares, promotores, ministros e altos funcionários dos três Poderes. Todos os cargos têm salários altos, inúmeros benefícios e aposentadoria integral aos 25 anos. Não há concurso para admissão, nem trabalho presencial. O Senador Palermo quis propor uma CPI para investigar a Fundação, mas os excelentes cargos oferecidos para sua ex amante, cunhada viúva e os 2 filhos fora do casamento o demoveram. Por fim, ele relatou e aprovou o pedido de suplementação de verbas para a FAPEG. Carl Jung dizia: “O que resiste, persiste.” A FAPEG resistiu, persistiu e 4 mil empregos fantasmas foram salvos, para alívio de muita gente. Vida que segue.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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