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sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Os eremitas do seculo 21

Existem algumas condições psicológicas que parecem definidas pela cultura de uma população ou pelas condições geográficas de uma sociedade. Por exemplo, o termo “amok” é usado pela psiquiatria para nomear uma síndrome que consiste em uma súbita e espontânea explosão de raiva selvagem, que faz a pessoa afetada ataque e mate indiscriminadamente pessoas e animais que aparecem à sua frente, até que o sujeito se suicide. A palavra veio de “meng-âmok”, que na Malásia significa “atacar e matar com ira cega”. Há vários outros termos que surgiram de diversas culturas e representam comportamentos específicos.

Neste século, um novo termo chama a atenção: “hikikomori”. A palavra japonesa quer dizer literalmente “isolado em casa”. Hikikomori se refere a uma crescente população de eremitas modernos – primariamente no Japão, mas também se espalhando por outros países da Ásia. São em sua maioria homens, entre 15 e 40 anos, que simplesmente decidem abandonar o convívio social e se tornarem reclusos em suas casas, ou até mesmo seus dormitórios.

As estatísticas variam muito, por motivos óbvios. Estima-se que os hikikomori sejam entre 500.000 a impressionantes 10 milhões de pessoas no Japão. Os números oficiais são muito baixos, porque esses indivíduos se escondem da sociedade, e fica complicado registrar sua real existência. São reclusos que a partir de um determinado momento (ou um incidente) simplesmente deixam de sair de casa, obtendo tudo que precisam para viver pela internet ou telefone. Em muitos casos, os hikikomori passam vários anos sem se atrever a sair de casa.

Até há pouco tempo, pensava-se que os hikikomori eram um fenômeno exclusivamente japonês, relacionado com a cultura do país: pessoas muito tímidas que não conseguem se relacionar e enfrentar uma sociedade com alto grau de cobrança, com regras sociais muito rígidas e codificadas. Mas os casos estão se espalhando pelo mundo. Na vizinha Coreia do Sul, uma pesquisa de 2005 já detectou que cerca de 33.000 adolescentes retraídos não saíam nunca de casa. Em Hong Kong, um estudo de 2014 apontou que quase 2% da população podem ser considerados hikikomori. E não apenas na Ásia: casos estão começando a surgir nos Estados Unidos, Espanha, Itália, França e outros países do Ocidente.

As pesquisas sobre o fenômeno são muito controversas, mas um tema parece recorrente: a influência das tecnologias modernas sobre o desejo de isolamento. As comunicações digitais estariam substituindo os contatos humanos reais, e o isolamento permitiria uma “bolha de segurança” para pessoas introvertidas e tímidas, que se sentem intimidadas pelas expectativas e cobranças das escolas e locais de trabalho.

A situação é vista com preocupação pelas famílias e autoridades japonesas. Em algumas cidades, foram criados centros de ajuda dedicados aos hikikomori, para estimular o contato dessas pessoas com o mundo externo e interessa-las em atividades do cotidiano, como fazer compras em lojas, frequentar escolas e trabalhar fora de casa.

A tecnologia também pode ajudar os eremitas a mudar sua condição. A crescente interconexão dos mundos online e off-line oferece algumas saídas: no Japão, o jogo para smartphone Pokemon Go estimulou alguns hikikomori a sair de casa para caçar os bichinhos virtuais do jogo.

Mesmo assim, é uma situação muito complexa, que não dá sinais de melhora. Segundo o especialista Saito Tamaki, a real população de hikikomori no Japão pode superar 10 milhões de pessoas. Saito também alerta que a condição não afeta apenas adolescentes e jovens adultos: seus estudos indicam que há muitos hikikomori com mais de 50 anos.

Saito diz que é difícil realizar uma contagem precisa dos reclusos, porque muitos deles vivem com seus pais e não precisam se preocupar questões de abrigo e alimentação. Por conta disso, os reclusos permanecem trancados em casa, até chegar à meia-idade ou mesmo a velhice. Saito diz que existe o “problema 80/50” relacionado aos hikikomori: pessoas na casa dos 50 anos que vivem com seus pais na casa dos 80 anos.

Saito observa que a sociedade japonesa dá muito valor ao envolvimento das pessoas em grupos, mas não valoriza os indivíduos. Pessoas que não se sentem à vontade para se envolver com atividades sociais se sentem inúteis, desprezadas pela sociedade.

Saito disse que em países com forte senso de individualismo como os EUA ou a Inglaterra, onde é incomum que os filhos adultos vivam com seus pais, o problema parece menor. Mas há muitos jovens sem-teto nesses países, que também vivem um tipo de isolamento social.

Saito aponta que a solução para esse problema deve partir das famílias dos reclusos. Uma atitude que estimule o hikikomori a buscar mais independência pode dar resultado, mesmo que isso signifique negar o conforto do lar para uma pessoa assustada com o mundo. Os grupos de ajuda também estão se multiplicando no Japão e outros países da região. Segundo Saito, se os pais forem firmes e decididos a ajudar, o hikikomori pode romper gradualmente seu isolamento e recuperar o contato com a sociedade exterior.

Autor:

Willians Fiori. Especialista em mercado saude desde 2003 Gerente de relações profissionais na Ontex do Brasil. Membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia Professor Docente do Hospital Israelita Albert Einstein.

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