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terça-feira, 27 de agosto de 2024

Quem é o próximo na fila do caixa?

Estava terrivelmente atrasada, faltavam trinta minutos para atração no teatro começar e eu decidi que nenhuma das minhas roupas era suficientemente boa para uma atração cultural local, estes eventos são tão raros por aqui que me motivam a ir ao shopping mesmo sabendo que não deveria gastar mais do que já ando gastando com comida.

Ao vestir a blusa escolhida qualquer consciência financeira que eu tinha foi ignorada no momento, e nos instantes seguintes quando escolhi mais duas peças. Convicta que estava pronta para qualquer ocasião, me dirigi ao caixa e me posicionei numa fila consideravelmente grande, e após alguns minutos notei que a fila travou quando estava chegando a minha vez.

A essa altura eu já tinha perdido o começo da atração, o pensamento fez meus olhos revirarem para o rapaz que estava atrasando a fila, um jovem baixo com cerca de vinte e cinco anos, que minutos antes de chegar ao caixa estava sorridente com um par de tênis brancos nas mãos, não vi o momento que ele chegou a loja, mas aquela expressão no rosto dele eu reconheci. Significava que ele provavelmente não demorou nem vinte minutos para escolher os sapatos, amor à primeira vista, quando você se identifica com algo que foi criado unicamente com a intenção de te servir.

Foi automático,quando percebi já estava a balançando minhas pernas em sinal de impaciência, mas o diálogo entre o rapaz e a funcionaria no caixa me chamou atenção e me fez parar, ele já tinha passado o cartão duas vezes e algo estava dando errado. Pequei em bisbilhotar uma conversa que não me dizia respeito, assim como quando o culpei por meu atraso, uma responsabilidade inteiramente minha. Ouvi a atendente perguntar se ele não tinha outro cartão, e com um sorriso tímido ele acenou negativamente.

A conversa levou o fim esperado, a empatia da atendente durou cinco segundos até ela pegar os tênis rapidamente e colocar debaixo do balcão, o rapaz assistiu ao gesto com uma expressão indecifrável, deu duas batidinhas no balcão e se virou para ir embora. Ao contrário do que eu o esperava não andou rápido, mas no seu próprio ritmo e em nenhum momento abaixou a cabeça, coisas que eu provavelmente teria feito. Fiquei me perguntando pelo resto da noite para quê iria servir aquele par de tênis e qual a razão dele ter saído de mãos vazias.Eu deveria está realmente sentindo compaixão por ele,mas que tipo de reflexão é essa? Desde e quando a compaixão deve ser merecida e não distribuída de graça.

Mas afinal, os tênis seria para estudar, trabalhar ou simplesmente sair para se divertir, ele teria outros para usar, e por que eu conseguiria sair dali com uma sacola em mãos e ele não, quando a minha situação estava tão conturbada como a dele? Em que momento alguma decisão tomada durante a nossa vida começa a influenciar toda nossa trajetória no futuro? Conclui que não foram somente as minhas escolhas que definiram minha situação naquela loja.

A vida é esse encontro de decisões que definem diferentes fins para a história de cada um, cada decisão cruzando caminhos que não lhe pertencem e influenciando caminhos distantes que talvez nunca vamos trilhar ou avistar. Movi-me rapidamente quando a atendente falou:

— Próximo. 

A próxima era eu, a próxima a tentar a sorte nesse jogo da vida.

Autoria:

Brie Araújo

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