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sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Clara Veiga: Devaneios

Vanda Klabin / curadoria Galeria Artur Fidalgo / 2023

Clara Veiga desenvolve seu repertório visual tendo a água como elemento central, cuja origem está na memória que circunda o seu universo e evoca relações fluidas, amplas ou quase submersas. A água abriga silêncios e pausas e parece querer escutar os murmúrios do inevitável fluir do tempo. A água é um elemento plástico que irradia a ideia de uma matéria contínua, mas a artista desloca, por vezes, o centro da composição em direção às laterais, num processo de expansão que inunda e ativa a superfície da tela. Um espaço a ser conquistado. A água e suas inquietudes são constitutivas de uma identidade estética — um ativador poético, que geram extensos campos cromáticos direcionados aos devaneios, que parecem assimilar, de forma envolvente, outros lugares, outros espaços, outros mundos.

Está presente nessa temática o momento fugaz que se torna permanente pela imersão subjetiva de uma experiência vivenciada pela artista, incorporada através da constante ideia de um vazio e da emergência de um imaginário oriundo de sonhos persistentes, que são aqui alojados no campo emocional e se ocupam de uma interrogação existencial. Mergulhos nos subterrâneos do inconsciente pessoal, que florescem no vocabulário de uma psique baseada no surgimento de sonhos, fantasias e conteúdos relacionados à experienciação do indivíduo e suas interpretações simbólicas, e que possibilitam uma multiplicidade de sentidos.

Esses sonhos convocam outras realidades, agregam um sentido ou nada de sentido, como uma porta entreaberta para a construção de metáforas ou para transcrever enigmas.

O significado das imagens, tendo a água como um destino essencial e uma representação simbólica, obedece a uma marcação interna, intensa e um mergulho no inconsciente. Traz uma experiência visual de envolvência, imersiva e também meditativa, transmitida pelo encadeamento entre as narrativas de suas propriedades transitórias, fugazes, efêmeras.

O real, o onírico e suas fabulações carregam suas reverberações para a prática artística de Clara Veiga. O persistente azul que se instala nas atmosferas aquosas continua o seu fluxo, mantém sua

progressão, espraia-se em diversas direções, invadindo outras áreas da superfície como um eterno devir. Parece girar sobre si mesmo, revela uma variabilidade do real, território de uma gestação poética criada pela artista, que dialoga permanentemente com o desenho e a pintura.

Nos desenhos, através de gestos, Clara mexe com uma repetição na qual reside a musculatura do seu fazer artístico exclusivamente pictórico. A carga afetiva da cor, a manualidade do processo afeta a nossa retina, a pintura pela pintura, através de caneta esferográfica Bic ou do pincel e seus ziguezagues integrados. A superfície aquática, com sua intensidade colorística, é capturada em suas inquietas ambiguidades, entre o transitório e o permanente, e aponta, na sua emergência plástica, para a volatilidade dos possíveis acontecimentos. Na sua formulação estética, a artista cria um sistema notacional, como um exercício manual em um limiar instável para obter uma densidade expressiva e representar uma fugacidade, que se torna permanente através da pintura.

Segundo o filósofo Gaston Bachelard, a água é também um tipo de destino; o destino de um sonho que não se acaba, um destino essencial que metamorfoseia incessantemente a substância do ser: “A água leva-nos. A água embala-nos. A água adormece-nos”. Um pensamento poético que evidencia as rupturas, as fragilidades, as imperfeições que habitam o nosso mundo.

Autoria:

Artur Fidalgo Galeria

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