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segunda-feira, 26 de agosto de 2024

A Simbiose nas Relações Econômicas China-EUA

As relações econômicas e comerciais entre a China e os EUA desenvolveram-se de forma contínua desde o estabelecimento de laços diplomáticos entre a China e os EUA em 1979, com resultados expressivos alcançados no comércio e no investimento. A China beneficia-se da forte sinergia, enquanto os EUA também colhem extensos benefícios econômicos das oportunidades e resultados gerados pelo crescimento da China. É evidente, pois,  que uma relação econômica e comercial sólida entre a China e os EUA é muito importante para ambos os países. A cooperação serve aos interesses dos dois lados e o conflito só pode prejudicar a ambos.

No campo das relações internacionais, as discussões acadêmicas no Ocidente sobre as relações China-EUA são em geral feitas por teóricos das escolas realista, neoliberal e construtivista, e variam do pessimismo ao otimismo. Os realistas antecipam dilemas de segurança inevitáveis e a balança de poder que eventualmente haveria de surgir entre os dois países, ainda mais complicados pela dinâmica regional e pela posse de armas nucleares por ambos. Numa visão mais otimista, o argumento neoliberal sublinha os interesses econômicos e as ligações entre os dois países (incluindo sua participação em organizações internacionais) como facilitadores da confiança e da cooperação.

O potencial pacificador da interdependência econômica, bem como a suposição a priori de que os dois países agiriam como atores racionais, são considerados fatores para levar a relações cooperativas e pacíficas.  Os construtivistas, por sua vez, enquadram esta relação bilateral em termos do processo de aprendizagem pelo qual os dois países passam e das mudanças nas normas que podem ocorrer com interações repetidas e a socialização entre as elites dirigentes e os povos dos dois lados.1

Todavia, neste debate incessante, a prática precede frequentemente a teoria, pelo que a dose de otimismo e pessimismo sobre as relações EUA-China varia à medida que os acontecimentos se desenrolam. No entanto, há razões para crer que as relações entre a China e os EUA podem ser retratadas como uma espécie de simbiose, que fornece uma base comum para as relações internacionais num mundo anárquico de conectividade e interdependência instantâneas.1

De fato, a interdependência e a conectividade desempenham um papel crucial na formação do comportamento das partes envolvidas, obrigando-as a avaliar os seus assuntos externos com boa dose de pragmatismo. Em que pesem tensões geopolíticas conjunturais, esta é e continuará a ser a corrente dominante na explicação das relações China-EUA, refletindo as vinculações  simbióticas que os unem. A simbiose na natureza refere-se a uma condição de associação prolongada entre dois ou mais organismos ou espécies que geralmente é mutuamente benéfica.

Na verdade, a simbiose trouxe benefícios tanto para a China como para os EUA. Os investimentos norte-americanos na China geraram enorme remessa de lucros para os EUA e as importações de produtos chineses mais baratos ajudaram a debelar a inflação na última década mesmo com a expansão monetária desenfreada pelo FED. A China tem ajudado a financiar o vultoso déficit fiscal dos EUA pela aplicação de suas reservas cambiais na compra de títulos do tesouro norte-americano, hoje no patamar de US$ 821,8 bilhões. A China, por seu turno, recebeu investimentos diretos, teve abertura ao grande mercado norte-americano para seus produtos e, via joint ventures, ganhou acesso a novas tecnologias para reforçar a competitividade de suas empresas e a qualidade e agregação de valor de seus produtos de exportação.2

Em geral, pode-se afirmar que a relação comercial e econômica entre a China e os EUA é uma relação vantajosa para todos os envolvidos e de forma alguma um jogo de soma zero, trazendo benefícios concretos para as empresas, trabalhadores e consumidores dos EUA e que especialmente correspondem às expectativas dos empresários e pessoas de outros setores dos EUA. Infelizmente, alguns analistas e políticos norte-americanos afirmam sem base factual que os EUA estariam a “perder” nesta relação, uma afirmação, porém, que não resiste a um exame empírico mais detalhado.

No entanto, mesmo com a simbiose mutuamente vantajosa certos círculos de poder nos EUA passaram a perceber a China não mais como um bom parceiro, mas sim como uma suposta ameaça para a sua liderança mundial. Por isso impuseram desde 2018 medidas protecionistas no comércio bilateral e vêm buscando brecar o crescimento do país dificultando o acesso das empresas chinesas a importações de semicondutores e impedindo o seu acesso a tudo o que diz respeito a esta tecnologia, inclusive a formação de jovens engenheiros chineses em universidades norte-americanas. Além disso, adotam com frequência provocações geopolíticas que nada contribuem para a normalização das cadeias globais de valor e os fluxo de comércio e  investimento estrangeiro.3

Em face dos resultados danosos desta estratégia dos EUA para ambos os lados, é chegado o momento de desanuviar as relações com a China e restabelecer o bom e regular entendimento diplomático e a cooperação entre os dois países cujas economias representaram conjuntamente em 2021 cerca de 42,5% do PIB mundial (segundo dados do FMI) e 22,7% das exportações mundiais (segundo a OMC).  Por serem as duas maiores economias nacionais do Planeta a China e os EUA detêm responsabilidades compartilhadas para manter a estabilidade econômica e financeira internacional, ajudar a resolver os grandes problemas e enfrentar desafios, como as mudanças climáticas, a transição energética e a prevenção de pandemias, e além de tudo isso contribuir com recursos financeiros para o desenvolvimento dos países do Sul global.4

A próxima reunião do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), a se realizar em São Francisco, nos EUA, de 15 a 17 de novembro será uma oportunidade propícia para as autoridades da China e dos EUA deixarem de lado suas diferenças e centrarem esforços numa agenda construtiva para 2024. Sediar a APEC este ano proporciona de fato aos EUA a oportunidade de moldar novas políticas comerciais e impulsionar o crescimento económico numa região vibrante da Ásia-Pacífico, que representa quase 40% da população mundial, quase metade do comércio global e mais de 60% da economia mundial. Sete dos 10 principais parceiros comerciais dos EUA são membros da APEC, inclusive a China.5

Por fim, cabe mencionar que, após cinco anos de deterioração nas relações entre a China e os EUA, o mundo aguarda com ansiedade que ambos os países estabilizem suas relações diplomáticas. Nada melhor do que o contato direto e a comunicação frequente no mais alto nível para gerir as diferenças com responsabilidade e garantir que a concorrência não se transforme em conflito. O encontro entre as autoridades de ambos os países durante a Cúpula da APEC nos EUA não vai resolver, de imediato, todos os problemas ou divergências que existem entre ambos. Mas poderá dar um passo importante para gerir bem melhor o relacionamento bilateral e estabelecer uma sinergia positiva no cenário global atual de instabilidade e tensões geopolíticas e econômicas.

Autor:

José Nelson Bessa Maia. Economista, mestre em Economia e doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países Lusófonos e China-América Latina.

Referências:

[1] Cf. Nayef Al-Rodhan. China and the United States: A Symbiosis Both sides’ policy makers are coming to see the relationship as interdependent.  The National Interest, 23.09.2013. Disponível em <https://nationalinterest.org/print/commentary/china-the-united-states-symbiosis-9143 >.

[2].Cf. i) How Trade with China Benefits the United States. The US-China Business Council, 2022. Disponível em https://www.uschina.org/how-trade-china-benefits-united-states>. ii) Cf. Mutually-beneficial and win-win cooperation between China and the US in trade and economy. 30/09/2018. China’s State Council Information Office. Disponível em <http://english.scio.gov.cn/2018-09/30/content_64413208.htm>.

[3] Cf. André Sacconato. O novo mundo pós-cisão entre Estados Unidos e China. 27/02/2023. FECOMERCIO-SP. Disponível em <https://www.fecomercio.com.br/noticia/o-novo-mundo-pos-cisao-entre-estados-unidos-e-china>.

[4] Cf. i) World Economic Outlook Dataset, FMI, disponível em https://www.imf.org/en/Publications/WEO/weo-database/2023/October e  ii) Cf. WTO STATISTICS, Disponível em < https://stats.wto.org/>.

[5] Cf. APEC Leaders, Ministers to Deepen Ties, Confront Global Challenges in San Francisco. 11/ 11/2023. APEC. Disponível em: <https://www.apec.org/press/news-releases/2023/apec-leaders-ministers-to-deepen-ties-confront-global-challenges-in-san-francisco>.

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